Quando a pandemia ataca duas vezes
A população afro-americana dos EUA vive duas pandemias em simultâneo. Uma é estrutural e a outra conjuntural. Será mais rápido encontrar vacina para a covid-19 do que para o racismo.
O sadismo do polícia Derek Chauvin (que causou a morte de alguém suspeito de pagar tabaco com uma nota falsa de 20 dólares, e com quem trabalhou durante 17 anos) faz-nos recuar à violência policial dos anos de segregação racial nos EUA ou das práticas do apartheid sul-africano. Donald Trump foi mais veemente a criticar o vandalismo dos protestos nas ruas de Mineápolis — citando uma velha máxima do supremacismo branco —, tentando capitalizar a morte de George Floyd para atacar politicamente o governador democrata do Minnesota, do que a condenar o acto selvagem de uma instituição que actuou com desproporção e racismo.
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O sadismo do polícia Derek Chauvin (que causou a morte de alguém suspeito de pagar tabaco com uma nota falsa de 20 dólares, e com quem trabalhou durante 17 anos) faz-nos recuar à violência policial dos anos de segregação racial nos EUA ou das práticas do apartheid sul-africano. Donald Trump foi mais veemente a criticar o vandalismo dos protestos nas ruas de Mineápolis — citando uma velha máxima do supremacismo branco —, tentando capitalizar a morte de George Floyd para atacar politicamente o governador democrata do Minnesota, do que a condenar o acto selvagem de uma instituição que actuou com desproporção e racismo.
A população afro-americana dos EUA vive duas pandemias em simultâneo. A primeira é estrutural e explode quando a violência policial comprova que o racismo não é um problema superado na maior potência mundial, mesmo que esta tenha sido presidida por um negro, ou porque a sua indústria de cinema já atribui, sem preconceitos, estatuetas a estrelas de cor ou a meros desconhecidos sul-coreanos. O racismo narrado por Harper Lee não é assim tão anacrónico como se desejava que fosse.
Ciclicamente, o racismo explode na sequência de actos desumanos nos antípodas de qualquer noção de polícia de segurança pública. Numa sociedade com estes níveis de violência, a polícia torna-se, ela mesma, geradora de mais violência.
Depois, os afro-americanos são vítimas de uma segunda pandemia, mais conjuntural: os 6% da população negra do Minnesota são 29% do total de casos de covid-19 e menos de 20% da população de Mineápolis representam cerca de 35% da totalidade de casos do novo coronavírus na cidade.
É como diz um dos líderes da comunidade afro-americana, Demetrius Young, o comissário da cidade de Albany, no estado da Georgia: “Historicamente, quando a América fica constipada, a América negra apanha pneumonia.” No actual quadro de pandemia económica, essa “pneumonia” também vitima mais esta comunidade. Biden só tem a ganhar com a simultaneidade nefasta da doença, do racismo e do desemprego, mas não lhe basta não ser Trump...
Rashawn Ray, sociólogo ouvido pelo The New York Times, diz que há uma diferença crucial entre estas duas pandemias. Enquanto a praga do coronavírus desaparecerá um dia, como aconteceu com outras doenças no passado, com os desenvolvimentos da medicina e a descoberta de uma vacina, o racismo permanecerá, por não existir vacina que lhe seja eficaz. Até quando, ninguém sabe.