A nova ditadura: o digital e a educação (2.ª parte)
Quando, como vemos em entrevistas de rua, reportagens e factos da vida educativa, muitos constatam estarem os nossos adolescentes imersos na mais brutal das alienações, como é possível defender-se que o ecrã é a solução?
Considero urgente, à vista dos factos, e depois de mais um programa televisivo sobre “A revolução digital” (o “Prós e Contras”) e as aulas online – programa onde não houve verdadeiro debate e direito à contra-argumentação –, que os professores tenham consciência do que tal mudança significa. Não há verdadeira aprendizagem segundo o paradigma que este Governo defende – este e outros que venham. O tecnocapitalismo em curso é o resultado da passividade da maioria e a nossa passividade confunde-se, infelizmente, com o estado actual da nossa democracia. Ora, ser democrata não é ser e estar-se passivo perante o fatalismo desta rápida investida belicista dos grande grupos da Internet que buscam a produtividade a todo o custo.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Considero urgente, à vista dos factos, e depois de mais um programa televisivo sobre “A revolução digital” (o “Prós e Contras”) e as aulas online – programa onde não houve verdadeiro debate e direito à contra-argumentação –, que os professores tenham consciência do que tal mudança significa. Não há verdadeira aprendizagem segundo o paradigma que este Governo defende – este e outros que venham. O tecnocapitalismo em curso é o resultado da passividade da maioria e a nossa passividade confunde-se, infelizmente, com o estado actual da nossa democracia. Ora, ser democrata não é ser e estar-se passivo perante o fatalismo desta rápida investida belicista dos grande grupos da Internet que buscam a produtividade a todo o custo.
Com razão, o filósofo Bernard Stiegler fala de uma nova economia da atenção centrada na inteligência artificial e nos algoritmos que circundam o nosso quotidiano: “estupidez artificial”, diz Stiegler, via conexão permanente dos utilizadores. Formatando, padronizando de forma a originar uma “realidade tecnológica com vista à optimização” laboral, a escola é o lugar ideal onde o novo paradigma digital se pode impor sem grandes reacções. No caso português isso é óbvio, parece-me. É grave. De certo modo, o nosso atavismo vê-se na acrítica aceitação deste “novo normal”...
Quando, como vemos em entrevistas de rua, reportagens e factos da vida educativa, muitos constatam estarem os nossos adolescentes imersos na mais brutal das alienações, como é possível defender-se que o ecrã é a solução? Consolidada por décadas de fechamento mental, a cultura educativa é o resultado de modelos errados de avaliação e de mais erradas estratégias que pudessem seduzir para o saber. O imediatismo, o resultadismo, o credo de uma escola formadora de competências, isso mesmo tem como efeito o perder-se a própria humanidade. Todos em rede, todos iguais, manipulados e aprendendo o menos que zero.
Byung-Chul Han, num livro obrigatório, não hesita: é uma ilusão que a revolução digital venha dar-nos tempo e liberdade. E muito menos é o passaporte para qualquer espécie de conhecimento. O digital escraviza-nos, impondo, através da teleperformance, um sistema de vigilância por parte do patronato, por parte das instâncias governamentais ao serviço dos grandes grupos económicos. É uma verdadeira “auto-servidão”, nas palavras do autor de A Sociedade do Cansaço, aquilo que estamos a construir. Nessa medida, entre o medo de perder a saúde e o medo de perder rendimentos, não há escolha (não há escola), só há preparação para a ditadura – e sem possibilidade de manifestações.
No limite, este utilitarismo global ameaça a liberdade europeia, hoje com sectores produtivos nas mãos do empresariado chinês, ou americano. O estado de excepção que esta pandemia causou tem, a meu ver, uma óbvia finalidade: fazer da escola e das universidades – como foi o caso de Silicon Valley nos anos 90 – campos de treino para o novo exército de humanos-maquinais, funcionais, produtivos, tecnocratas. As nossas crianças e jovens são já filhos da indústria digital, cujo fito único e exclusivo é influenciar os nossos gostos, conduzir as opiniões e determinar políticas de matriz totalitária com vista à produtividade, sacrificando o tempo para o lazer, para o pensamento e para a leitura complexa. Quem irá ler Lamberto Maffei e o premonitório Karl Jaspers?
Se a História, a Filosofia e, primacialmente, a Literatura tivessem lugar na educação actual seria claro para professores, fossem de que áreas fossem, os sinais da nova ditadura em curso. Mas como uma larga maioria da sociedade civil se deixa fascinar – e está já escravizada – por esta nova tirania nascida com Zuckerberg e, em especial, planeada por Sheryl Sandberg (ex-Banco Mundial), da Google, não sei se as pessoas percebem o perigo iminente.
Das adwords aos milhões que a publicidade lucra através do digital, e daí à instauração da vigilância individual para efeitos de rendibilização, as direcções dos estabelecimentos escolares e universitários, com medo de não pertencerem à rede, deixam-se manipular pelos novos sábios, os tecnocratas. Se os professores aceitarem acriticamente a imposição do digital serão responsáveis por gerações e gerações de jovens que oferecerão em troca regimes ditatoriais. Está-lhes no sangue... ou melhor: implantado no cérebro. Nada disto é fruto de leituras distópicas, pois a realidade fala por si. Quando muitos professores se sentem já vigiados, para quando a reacção?