No regresso à rotina, o gato vai respirar de alívio, o cão nem por isso
Depois de um período em que animais e humanos foram companhia uns dos outros, segue-se agora o desconfinamento. Veterinários e associações pedem paciência e atenção aos sinais de ansiedade.
Entre médicos veterinários e associações protectoras dos animais multiplicam-se as preocupações quanto aos efeitos do confinamento nos animais de companhia e, agora, do regresso às rotinas. Depois de meses de contacto permanente e passeios frequentes em que humanos e animais estreitaram laços, durante a pandemia da covid-19, segue-se o desconfinamento que preocupa os especialistas.
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Entre médicos veterinários e associações protectoras dos animais multiplicam-se as preocupações quanto aos efeitos do confinamento nos animais de companhia e, agora, do regresso às rotinas. Depois de meses de contacto permanente e passeios frequentes em que humanos e animais estreitaram laços, durante a pandemia da covid-19, segue-se o desconfinamento que preocupa os especialistas.
Para os gatos, o problema não deve ser tão grave, considera Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV). Segundo o médico veterinário, estes vão “ultrapassar melhor esta fase” porque “lidam bem com a ausência dos seus detentores” e apreciam o seu espaço e tranquilidade. De facto, o especialista revela até que o período de confinamento chegou a trazer casos de situações clínicas de stress em gatos que viviam em casas mais pequenas e com crianças, pois não conseguiam ter a tranquilidade de que gostam.
Quanto aos cães, “é precisamente o oposto”. O bastonário lembra que “as pessoas quase brigavam para ir passear o cão por ser das únicas hipóteses de sair à rua”.
A União para a Protecção Animal (UPPA) vê no período de desconfinamento um “receio muito grande” considerando que os cães “se vão ressentir muito”. A partir de agora, e à medida que os donos regressarem às suas rotinas, os animais podem começar a sofrer da chamada ansiedade de separação. Segundo Sandra Vicente, uma das fundadoras da associação que conta com mais de 12 anos de experiência, esta nova situação poderá trazer “consequências emocionais” aos animais que se sentem abandonados quando ficam sozinhos em casa. Também o bastonário da OMV refere que é de esperar “alguma alteração comportamental e demonstrações de stress”.
Quais são os sinais de alerta?
O primeiro sinal pode passar pelo ladrar constante quando as pessoas saem para o trabalho. Outro, prende-se com danos causados em casa, roendo objectos, por exemplo, o que pode ser uma forma de libertar o stress ou até chamar atenção. Os veterinários alertam também para problemas relacionados com o urinar e defecar. Nos casos mais graves, pode chegar-se ao ponto de feridas no corpo por lambidelas constantes.
Por um lado, os profissionais alertam para o caso dos cachorros adoptados ou adquiridos recentemente pois a realidade de confinamento é a única que conhecem e a sua habituação à ausência dos humanos pode ser mais complicada. Por outro, os animais acolhidos em canis ou associações durante o período de quarentena também merecem cuidados especiais pois “são extremamente sensíveis a estas mudanças”, sublinha Sandra Vicente da UPPA.
É por isso que o alerta é generalizado: nesta altura são precisas doses redobradas de paciência e, sobretudo, atenção às mudanças comportamentais para se procurar ajuda especializada.
Como suavizar a transição?
Essa ajuda especializada é a profissão de Gonçalo da Graça Pereira. O médico veterinário especialista europeu em medicina comportamental lida diariamente com as questões do comportamento dos animais e sublinha que “quanto mais tarde se procurar ajuda, mais difícil vai ser para se resolver” as questões que podem surgir.
Para o especialista, uma das medidas que deveria ter sido tomada desde o início do período de confinamento seria a aplicação aos animais de momentos de isolamento. Isso, explica, “não significa fechá-los numa divisão à parte”, mas sim promover momentos em que o animal está num local da casa longe dos donos a entreter-se com brinquedos. “Ajuda a manter um pouco a rotina de que estavam habituados”, defende o médico veterinário.
Para combater a alteração brusca apresentada pelo período de desconfinamento, o especialista em comportamento animal deixa dicas como esconder biscoitos pela casa de forma a estimular a parte cognitiva e o faro dos cães e gatos.
Durante os passeios, que “não devem passar de seis ou sete por dia para apenas um”, como lembra o bastonário Jorge Cid, o especialista Gonçalo da Graça Pereira salienta a importância de se levar biscoitos. Estes servem para premiar bons comportamentos perante outros animais, ou ajudar a desviar as atenções quando essa socialização não é bem aceite.
De facto, a questão da socialização é uma preocupação para o médico veterinário. “Temos visto casos de animais que foram privados de contacto com outros durante estes últimos meses e que desenvolveram problemas comportamentais perante a presença de outros cães”, revela. O confinamento pode, inclusive, “causar graves problemas de comportamento em momentos de socialização” nos cachorros.
Associações preocupadas com o aumento de abandonos
Uma das maiores dores de cabeça para os profissionais e voluntários da área prende-se com o abandono que pode surgir nesta altura.
A presidente da SOS Animal acredita que “houve muita adopção compulsiva para colmatar a solidão ou até para se ter uma justificação para poder sair à rua”. Sandra Duarte Cardoso receia que muitos desses animais sejam agora devolvidos ou, “na pior das hipóteses”, abandonados. Também Sandra Vicente, da UPPA, considera que “este momento pós-confinamento vai trazer um aumento no abandono”.
A SOS Animal esclarece que teve especial cuidado durante os últimos meses em que “houve um aumento muito significativo” nos pedidos para adopção. A associação revela que foi feita uma triagem muito apertada, mas a médica veterinária e directora clínica do Hospital Veterinário da SOS Animal admite a existência de outras associações “menos profissionalizadas ou com menos experiência” que não tenham tido a capacidade de verificar os tutores que procuravam animais nesta altura.
Também a UPPA “fechou as portas” durante os últimos meses. A membro da direcção da associação justifica a decisão por uma questão de cortar a afluência de pessoas ao espaço do albergue perante o cenário de pandemia, mas também “a pensar no apego emocional que os cães iam passar a ter com os seus donos e, na fase seguinte, as coisas poderem correr muito mal”.
O bastonário da OMV afirma que a sua organização “está atenta” aos números do abandono que segundo as associações podem ter vários motivos. Um deles prende-se com as dificuldades económicas que se revelam em momentos de doença do animal ou até da necessidade de mudar de casa, lembra a presidente da SOS Animal. Também a fundadora da UPPA considera que os 12 anos de experiência ensinaram que “quando surge um problema na vida das pessoas, o primeiro elemento a saltar é o cão”.
Por outro lado, coloca-se a questão das alterações comportamentais dos animais. “Há a possibilidade de as pessoas não saberem lidar com esses problemas ou nem estarem interessadas em aprender”, lamenta Sandra Duarte Cardoso. “As pessoas não estão preparadas para lidar com a ansiedade de separação e as consequências que isso pode ter nos animais, na sua casa e nos problemas com a vizinhança”, conclui Sandra Vicente, da UPPA.