Museus e património: precisa-se de um “golpe de asa”
A abertura dos primeiros concursos universais para directores de nove museus e monumentos nacionais é um bom passo, reforçado pela credibilidade dos júris. Mas seria um logro pensar que por trás dele está uma política consistente para o património cultural, área em que a omissão do Ministério da Cultura se tornou chocante.
Escrevo quando se abrem finalmente os primeiros concursos universais para directores de nove museus e monumentos nacionais. Um bom passo, reforçado pela manifesta credibilidade dos júris constituídos e não inteiramente defraudado pelos orçamentos de programação anual garantidos, demasiado curtos é certo, mas pelo menos estimáveis pela transparência e previsibilidade. Confiemos, aliás, que tais júris saibam ultrapassar o potencial vício patente no alinhamento das características do “perfil valorizado”, reforçando para pior a já de si má formulação do decreto-lei de enquadramento, que parece querer reduzir o recrutamento a quem tenha formação académica pós-graduada em “Museologia, do Património e da Conservação e Restauro”. Um tal afunilamento, para além de voluntarista e influenciado pelos lobbbies que circunstancialmente gravitam em redor do poder da Cultura (nos projectos de decreto-lei que precederam o que veio a ser adoptado era-se mais amplo, colocando em pé de igualdade aquelas formações com as das áreas de especialidade de cada museu), é errado do ponto de vista científico e intolerável do ponto de vista sociológico.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Escrevo quando se abrem finalmente os primeiros concursos universais para directores de nove museus e monumentos nacionais. Um bom passo, reforçado pela manifesta credibilidade dos júris constituídos e não inteiramente defraudado pelos orçamentos de programação anual garantidos, demasiado curtos é certo, mas pelo menos estimáveis pela transparência e previsibilidade. Confiemos, aliás, que tais júris saibam ultrapassar o potencial vício patente no alinhamento das características do “perfil valorizado”, reforçando para pior a já de si má formulação do decreto-lei de enquadramento, que parece querer reduzir o recrutamento a quem tenha formação académica pós-graduada em “Museologia, do Património e da Conservação e Restauro”. Um tal afunilamento, para além de voluntarista e influenciado pelos lobbbies que circunstancialmente gravitam em redor do poder da Cultura (nos projectos de decreto-lei que precederam o que veio a ser adoptado era-se mais amplo, colocando em pé de igualdade aquelas formações com as das áreas de especialidade de cada museu), é errado do ponto de vista científico e intolerável do ponto de vista sociológico.
Ainda assim, um bom passo. Mas seria um logro pensar que com ele se desenvolve o que se requer de uma política consistente, conjuntural e estrutural, para os museus e o património cultural. Neste plano, e particularmente na crise por que passamos, a omissão do Ministério da Cultura tornou-se tão chocante que confrange e só pode significar o redondo falhanço da actual equipa ministerial. A menos que esta considere que está tudo bem com os cerca de um milhar, se não mais, de museus e sítios patrimoniais que existem no país, a maior parte fora da sua tutela imediata, e que nenhuma medida de apoio aos mesmos é necessária. É que se em relação às artes e às indústrias criativas ainda se vai ouvindo falar de medidas, curtas e trôpegas, é certo, neste sector, nada. Silencio absoluto.
Faria falta um verdadeiro “golpe de asa” para os museus e o património cultural nacional. E para que se não diga que quem critica não tem nada a propor, aqui vão duas propostas concretas.
A primeira, uma espécie de fundo de emergência dirigido sobretudo aos museus – os menos de 10% tutelados pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), mas sobretudo todos os demais, na alçada de autarquias, associações e privados –, e vocacionado para a promoção de acções dirigidas para a reconquista e o alargamento de públicos nacionais. Uma boa referência seria dotá-lo de valor idêntico àquele que num ano a DGPC pode perder em receitas do turismo internacional, ou seja, cerca de 20 milhões de euros. Como noutras áreas da vida social, é altura de o Estado, através do Governo, acorrer aos danos provocados pela covid-19, com a vantagem de os investimentos neste sector serem também reparações da própria saúde das populações, urbanas ou rurais (talvez sobretudo estas), propiciando locais e actividades que permitam reganhar confiança na vida em comum. É conhecido que os museus constituem os mais procurados lugares de encontro e conforto durante e sobretudo depois das grandes catástrofes, guerras ou pandemias. Possa perceber-se isso também, aqui e agora.
Finalmente, uma segunda linha a desenvolver deveria ser a criação de um fundo desenhado para o fomento da conservação e restauro do património cultural. Mais uma vez trata-se de área especialmente prioritária em tempos de crise, como em 2008 nos dizia o Prof. Luís Campos e Cunha, em debate promovido pelo ICOM Portugal: actua extensivamente no território, em domínio de grande consenso nacional, promove emprego intensivo e são, sobretudo localmente, e resulta em benefícios duradouros, não alienáveis na primeira curva da estrada. Os mesmos 20 milhões seriam um bom começo.
Duas propostas construtivas, pois. Assim haja o tal “golpe de asa”.