Críticas à intervenção nos Painéis de São Vicente são ridículas, dizem os conservadores-restauradores

Profissionais da área acusam os signatários da carta aberta recentemente divulgada de porem em causa o bom nome de pessoas e de instituições, assim como o estatuto do conservador-restaurador em Portugal.

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Susana Campos (à dta.), conservadora-restauradora do Museu de Arte Antiga e uma das responsáveis pela intervenção, acompanhando aqui a colocação de um dos Painéis no seu lugar habitual daniel rocha

Sendo os Painéis de São Vicente terreno fértil para controvérsia e debate há mais de 100 anos, não é de estranhar que a intervenção de conservação e restauro em curso já esteja a dar azo a trocas de argumentos nos jornais, apesar de mal ter começado. 

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Sendo os Painéis de São Vicente terreno fértil para controvérsia e debate há mais de 100 anos, não é de estranhar que a intervenção de conservação e restauro em curso já esteja a dar azo a trocas de argumentos nos jornais, apesar de mal ter começado. 

Esta quinta-feira, foi a vez de os conservadores-restauradores responderem a uma carta aberta datada de 21 de Maio em que um grupo de cidadãos se mostrava preocupado com a “integridade patrimonial” desta importante pintura portuguesa do século XV face ao restauro anunciado há já um ano e que o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), que a tem no seu acervo, prepara há mais de dois.

Na sua página na rede social Facebook, o Fórum de Conservadores-restauradores, um grupo informal que reúne quase mil profissionais da área, constituído para debater temas relevantes para esta classe e para a sua actividade, publicou um texto em que explica por que razões considera de “elevado grau difamatório” a carta aberta em que 24 signatários, entre os quais historiadores, jornalistas, professores de Direito, escritores, ensaístas e editores, dizem temer que a intervenção venha a apagar elementos essenciais à interpretação dos Painéis atribuídos a Nuno Gonçalves, pintor de Afonso V. 

Garantindo que esta carta pôs em causa “o bom nome de pessoas e instituições, mas também o estatuto profissional do Conservador-restaurador em Portugal”, o referido Fórum vem agora lembrar que os profissionais deste sector têm hoje formação universitária e que se regem por rigorosos princípios éticos, estando a sua actividade balizada por “directrizes internacionais muito exigentes”. 

“A carta aberta revela um desconhecimento absoluto da Conservação e Restauro e da actividade do conservador-restaurador”, dizem os membros deste grupo informal, sublinhando ainda a “competência técnica incontestável” da direcção do museu, encabeçada pelo historiador de arte Joaquim Caetano, e dos colegas envolvidos, tanto os do quadro do MNAA como os contratados para o efeito ou pertencentes ao Laboratório José de Figueiredo e a outras entidades de referência nacionais e internacionais. 

Recorde-se que entre os parceiros reunidos pelo museu para este projecto estão também o Laboratório Hércules da Universidade de Évora, historiadores de arte portugueses como José Alberto Seabra Carvalho, antigo subdirector do MNAA, e uma vasta equipa de especialistas internacionais de instituições de grande prestígio, muitos deles envolvidos em importantes projectos de conservação e restauro no estrangeiro nos últimos anos: José de la Fuente (Museu do Prado), Maryan Ainsworth e Michael Gallager (Metropolitan de Nova Iorque), Hélène Dubois (Instituto Central de Restauro da Bélgica), Ashok Roy (National Gallery de Londres) e Maximiliaan Martens (Universidade de Gent).

“Os conservadores-restauradores portugueses, nomeadamente os das duas instituições referidas [MNAA e Laboratório José de Figueiredo] e outros contratados para o efeito, são dos mais competentes existentes no país, pelo que os medos expressos [na carta aberta] não fazem qualquer sentido”, continua o Fórum, lamentando em seguida que naquele documento dirigido ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e à ministra da Cultura a intervenção que decorrerá à vista de todos os visitantes do museu da Rua das Janelas Verdes seja descrita como uma “repintura”: “Afirmar que o ‘restauro é susceptível de ser afinal uma repintura’” [… e que] ‘o ethos actual da restauração de pinturas antigas a óleo autoriza os restauradores a repintarem o quadro baseando-se em princípios que excluem o respeito pela obra’ […] é simplesmente ridículo.”

Nesta primeira fase dos trabalhos, os Painéis serão intervencionados pelas conservadoras-restauradoras Susana Campos e Teresa Serra e Moura, ambas do MNAA, e por Rita Oliveira (independente).

Os conservadores-restauradores concluem a sua resposta a esta carta aberta lembrando que nenhum dos 24 signatários (entre os quais se incluem a historiadora Irene Pimentel, o especialista em relações internacionais Carlos Gaspar ou o escritor Nuno Júdice) é profissional da área, e deixam uma sugestão: “Se os conservadores-restauradores não interferem no jornalismo, na literatura, na história, no direito, nas relações internacionais, no cinema, na fotografia ou na economia, o contrário também devia acontecer.”