Alvo de investigação, governador do Rio acusa Bolsonaro de ter “oficializado” interferência na PF
A investigação das autoridades visa uma suspeita de esquema de corrupção entre o executivo estadual e uma organização social contratada para instalar sete hospitais de campanha durante a pandemia de covid-19.
A Polícia Federal (PF) brasileira avançou esta terça-feira com mandados de busca e apreensão na residência oficial do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, no âmbito de uma investigação a uma suspeita de esquema de corrupção envolvendo “servidores da cúpula de gestão do sistema de saúde do estado do Rio de Janeiro”. O governador disse não ter participado em “nenhum tipo de irregularidade” e acusou o Presidente Brasileiro, Jair Bolsonaro, de ter “oficializado” a sua interferência na PF.
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A Polícia Federal (PF) brasileira avançou esta terça-feira com mandados de busca e apreensão na residência oficial do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, no âmbito de uma investigação a uma suspeita de esquema de corrupção envolvendo “servidores da cúpula de gestão do sistema de saúde do estado do Rio de Janeiro”. O governador disse não ter participado em “nenhum tipo de irregularidade” e acusou o Presidente Brasileiro, Jair Bolsonaro, de ter “oficializado” a sua interferência na PF.
A operação policial, denominada Operação Placebo, levou a cabo 12 mandados de busca e apreensão – dez no Rio de Janeiro e dois em São Paulo – emitidos pelo Superior Tribunal de Justiça, responsável por ordenar acções contra governadores. Os alvos foram o Palácio das Laranjeiras, a casa de Witzel antes de ser governador e o escritório da sua mulher, a advogada Helena Witzel. As casas do ex-secretário de Saúde Edmar Santos, exonerado na semana passada por Witzel, e do ex-subsecretário Gabriel Neves, preso por suspeitas de fraude no processo de aquisição de material médico, também foram alvo de buscas pelos agentes federais.
A Globo noticiou ainda a chegada de uma equipa da PF ao Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), a quem foi atribuída a construção dos sete hospitais de campanha durante a pandemia de covid-19. A instituição foi destinatária de mais de 800 mil reais em contratos sem concurso público.
Sem adiantarem pormenores sobre a investigação em curso, as autoridades disseram estar a investigar a “existência de um esquema de corrupção envolvendo uma organização social contratada para a instalação de hospitais de campanha e servidores da cúpula de gestão do sistema de saúde do estado do Rio de Janeiro” durante a pandemia de covid-19.
Horas depois, Witzel reagiu às buscas e apreensões garantindo não haver “nenhum tipo de irregularidade” nas suas actuações governativas e acusou o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de ter oficializado a sua interferência da PF.
“A interferência anunciada pelo Presidente da República está devidamente oficializada. Estou à disposição da Justiça, meus sigilos abertos e estou tranquilo sobre o desdobramento dos factos”, disse o governador, mostrando indignação por “deputados bolsonaristas terem anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da Polícia Federal direccionada a mim”.
A deputada federal Carla Zambelli, aliada de Bolsonaro, avisou, numa entrevista à Rádio Gaúcha, na segunda-feira, que governadores seriam alvo de investigações no futuro próximo. “A gente já teve algumas operações da PF que estavam na agulha para sair, mas não saíam. A gente deve ter nos próximos meses o que a gente vai chamar ‘covidão’ ou não sei qual vai ser o nome que eles vão dar. Mas já tem alguns governadores sendo investigados pela PF”, disse a deputada federal.
Além disso, a operação aconteceu um dia depois de o novo superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, Tácio Muzzi, ser nomeado, depois da polémica sobre a exigência de Bolsonaro ao seu antigo ministro da Justiça, Sergio Moro, para substituir o antecessor. O chefe de Estado está a ser investigado sobre se interferiu na hierarquia da Polícia Federal.
O governador do Rio de Janeiro foi eleito depois de uma campanha com um duro discurso contra a corrupção e foi aliado do Presidente Jair Bolsonaro, até entrar em choque com ele por causa da gestão da crise sanitária. Bolsonaro chegou inclusive a chamar “estrume” a Witzel numa reunião de ministros a 22 de Abril e, esta terça-feira, o Presidente, quando questionado sobre a operação policial, limitou-se a dar os parabéns à PF e a dizer que soube dela pela imprensa.
A Operação Placebo aconteceu duas semanas depois de uma outra da PF, denominada Operação Favorito, ramificação da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Em causa esteve um esquema de fraudes em contratos de prestação de serviços para unidades de saúde entre o estado e organizações sociais de saúde e visou o empresário Mário Peixoto (entretanto detido) por suspeitas de subornos a políticos, funcionários públicos e ao Tribunal de Contas do Estado para manter contratos com o Estado do Rio de Janeiro.
Apesar de ter prometido combater a corrupção num estado que viu cinco ex-governadores presos, Witzel tem-se visto cercado por processos judiciais com acusações de corrupção. Tem contra si uma investigação sobre funcionários-fantasmas contratados por indicação de um ex-assessor pessoal e viu o seu nome citado em escutas e depoimentos na Operação Favorito. O empresário Arthur Soares, conhecido como “Rei Arthur” e detido em Outubro de 2019 por suspeita de compra de votos para a eleição do Rio para ser o anfitrião dos Jogos Olímpicos de 2016, ofereceu-se para denunciar o governador à Procuradoria-Geral da República como “chefe supremo” deste esquema.
O empresário era um dos fornecedores do Governo e tinha a receber 100 milhões de reais, mas, em Julho, o seu irmão, Luiz Soares, foi contactado e informado de que o estado apenas pagaria o valor em dívida se Arthur Soares aceitasse pagar 20% do valor em suborno, diz a revista Veja. Recusou-se e o contrato foi suspenso, sendo mais tarde novamente contactado por André Mourão, secretário estadual da Casa Civil e Governança de Witzel, que lhe voltou a fazer a mesma proposta. Soares aceitou desta vez e entrou num novo contrato de 8,6 milhões de reais para fornecer bens alimentares ao sistema prisional estadual, em troca de pagar 20% desse valor aos elementos do esquema.
As investigações da Operação Favorito decorriam desde Janeiro e a crise pandémica pôs-lhe um travão. No entanto, a suspeita de que a crise sanitária estivesse a ser um momento de lucro para este crime levou as autoridades a avançarem com os mandados de busca e detenção de Mário Peixoto, dono de empresas que terão assinado contratos com o executivo estadual.
“Surgiram provas de que a organização criminosa persiste nas práticas delituosas, inclusive se valendo da situação de calamidade ocasionada pela pandemia do coronavírus, que autoriza contratações emergenciais e sem licitação, para obter contratos milionários de forma ilícita com o poder público”, disse na altura a PF, citada pelo portal G1, da Globo.
Foi no seguimento desta operação e de rumores sobre fraudes que Witzel exonerou o ex-secretário de Saúde Edmar Santos. E, no início de Maio, o ex-subsecretário estadual da Saúde, Gabriell Neves, e mais três pessoas foram detidas pela PF por suspeitas de terem recebido subornos na compra de material médico para pacientes de covid-19. Mas as detenções não terão sido suficientes para acabar com o esquema.