O mais novo de todos nós

Helena Roseta escreveu este texto de opinião a 25 de Maio, dia em que Gonçalo Ribeiro Telles completou 98 anos. Voltamos agora a publicá-lo.

Foto
Gonçalo Ribeiro Telles Miguel Manso / PUBLICO

Faz hoje 98 anos o grande pioneiro português das causas que mobilizam milhões de jovens em todo o mundo: meu amigo, meu exemplo, meu mestre, Gonçalo Ribeiro Teles.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Faz hoje 98 anos o grande pioneiro português das causas que mobilizam milhões de jovens em todo o mundo: meu amigo, meu exemplo, meu mestre, Gonçalo Ribeiro Teles.

Eu tinha dezanove anos quando o conheci. A seguir às cheias catastróficas de novembro de 1967, que mataram numa noite centenas de pessoas na região de Lisboa, fui entrevistá-lo para um jornal de estudantes. Indignado mas sempre pedagógico, Gonçalo não hesitou em apontar as causas profundas da tragédia: o desordenamento, a expansão urbana incontrolada, a inércia das entidades responsáveis e a existência de uma população urbanisticamente marginal, vivendo em grande parte em barracas, “um dos mais graves problemas humanos da região de Lisboa”.

Gonçalo foi sempre um patriota, monárquico, antifascista e profundamente democrata. Trabalhei de perto com ele em 1979 na preparação da Aliança Democrática liderada por Sá Carneiro. Recordo uma discussão entre os três protagonistas da AD – Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Gonçalo – sobre a estratégia a seguir. Alguém perguntou quem era o nosso inimigo principal. Para Freitas era o projecto do PCP, para Sá Carneiro era o eanismo. Ribeiro Teles não hesitou: o nosso inimigo principal é o eucalipto.

Capaz de aliar um profundo conhecimento e amor pela natureza aos seus ideais democráticos e de justiça social, ensinou-nos a todos a importância de respeitar os equilíbrios físicos e biológicos dos territórios. Criou as bases dos conceitos de reserva agrícola e reserva ecológica nacionais, que considerava fundamentais para a salvaguarda da nossa independência. Nas cidades, exigiu que nunca esquecêssemos os sistemas vivos que coabitam com tudo o que construímos. Assim nasceram os corredores verdes e todo o plano verde da cidade de Lisboa. Defendeu as hortas urbanas há mais de 50 anos, quando a luta ambientalista era pura utopia para a opinião dominante. Concebeu e desenvolveu ele próprio projectos extraordinários de jardins urbanos que ainda hoje nos oferecem um pouco de serenidade no meio do caos. Destaco entre todos o jardim da Gulbenkian, um projecto de excelência integrado numa arquitectura de excelência.

Quando, há meses, Greta Thunberg desencadeou, aos dezasseis anos, um movimento global dos jovens em defesa do planeta, lembrei-me muito dele, que o fez desde sempre. Gonçalo é uma daquelas raras pessoas capazes de ver mais longe e mais cedo que os outros. Entrou e saiu da actividade política com desprendimento. Hoje, dia dos seus 98 anos, não posso deixar de renovar os meus parabéns ao “menino dos anos”, como o fiz quando chegou aos 96. Respondeu-me então, ao telefone: “Eu já não sou menino.” “É sim, disse-lhe eu, andou sempre à frente, é o mais novo de nós todos.”