Uma utopia de futebol chamada Ajax

Há 25 anos, o Ajax conquistou o seu quarto título de campeão europeu às custas do poderoso AC Milan e com um golo de um jovem avançado de 18 anos chamado Patrick Kluivert.

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O Ajax conquistou o seu quarto título europeu em 1995 Reuters/Action Images

Jorge Valdano, amigo de Maradona e treinador feito filósofo, tinha isto para dizer sobre o Ajax dos anos 1990: “Está próximo da utopia futebolística. O seu conceito de futebol é requintado, mas também têm superioridade física. São a Bela e o Monstro.” Esta utopia a que se referia Valdano não era a primeira com o epicentro em Amesterdão, mas, tal como a de Cruyff nos anos 1970, teria uma influência transversal no futebol e de efeito prolongado. Esta utopia teve o seu zénite numa das mais célebres finais da Liga dos Campeões, a de 24 de Maio de 1995, cumprem-se hoje 25 anos, no vienense Ernst Happel, onde o Ajax, uma equipa feita em casa, bateu os aristocratas do AC Milan, equipa dominante como poucas em qualquer era, alimentada pelo poder económico do seu presidente Silvio Berlusconi e repositório das grandes “estrelas” do futebol italiano.

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Jorge Valdano, amigo de Maradona e treinador feito filósofo, tinha isto para dizer sobre o Ajax dos anos 1990: “Está próximo da utopia futebolística. O seu conceito de futebol é requintado, mas também têm superioridade física. São a Bela e o Monstro.” Esta utopia a que se referia Valdano não era a primeira com o epicentro em Amesterdão, mas, tal como a de Cruyff nos anos 1970, teria uma influência transversal no futebol e de efeito prolongado. Esta utopia teve o seu zénite numa das mais célebres finais da Liga dos Campeões, a de 24 de Maio de 1995, cumprem-se hoje 25 anos, no vienense Ernst Happel, onde o Ajax, uma equipa feita em casa, bateu os aristocratas do AC Milan, equipa dominante como poucas em qualquer era, alimentada pelo poder económico do seu presidente Silvio Berlusconi e repositório das grandes “estrelas” do futebol italiano.

Que formação do Ajax era esta? Como podia ser, ao mesmo tempo, a Bela e o Monstro? Parte da resposta está, claro, na utopia dos anos 1970, de Rinus Michels e de Cruyff, uma equipa também feita em casa e que tinha uma filosofia própria, o “futebol total”. Outra parte está em Louis van Gaal, o treinador “mestre-escola” que tinha assumido a equipa em 1991 depois de vários anos a aprender na sombra de Leo Bennhaker. Com métodos inovadores, do trabalho táctico ao condicionamento físico, Van Gaal acreditava no poder do colectivo e e na repetição até à exaustão para afinar as rotinas no posicionamento.

A outra parte da resposta reside na geração que crescia na formação do clube de Amesterdão. Nos primeiros anos, Van Gaal ainda tinha Bergkamp, Jonk, Wouters e outros, mas todos foram sendo atraídos para outras paragens - naquela altura, os melhores iam quase todos para o “calcio”. E isto abriu espaço para o talento jovem que ansiava por uma oportunidade, como sempre fora (e é) tradição no clube de Amesterdão. Van Gaal tinha os veteranos para dar estrutura (Danny Blind e Frank Rijkaard, regressado após cinco anos de enorme sucesso no AC Milan) aos jovens, que eram muitos (a idade média do Ajax na final de Viena era de 23 anos). Nesta equipa estavam alguns dos maiores talentos futebolísticos da década seguinte: Kluivert, os irmãos De Boer, Overmars, Seedorf, Davids, Litmanen, Kanu, Finidi, Reiziger e Van der Sar.

Van Gaal teve quatro anos para apurar esta equipa e, até à final de Viena, foi conquistando coisas: dois campeonatos holandeses (1994 e 1995), uma Taça da Holanda (1993) e uma Taça UEFA (1992). O prémio maior seria o título europeu, repetir os feitos da equipa de Cruyff, tricampeã europeia entre 1971 e 1973. Pela frente teria o poderoso AC Milan de Fabio Capello, campeão europeu em título e com o melhor que o futebol italiano tinha na altura - Maldini, Panucci, Albertini, Baresi, Costacurta, entre outros -, mais Boban, o mago croata, e Desailly, o muro francês.

Este Milan estava numa espécie de segundo fôlego da equipa que tinha dominado o futebol europeu na segunda metade dos anos 1980, com o seu trio de holandeses (Gullit, Rijkaard e Van Basten), mas, como se viria a provar, não estaria à altura da equipa de Van Gaal. Os “rossoneri” já tinham perdido duas vezes na fase de grupos, mas conseguiram qualificar-se à justa para os quartos-de-final, fase na qual eliminaram o Benfica, afastando depois o PSG. Quanto ao Ajax, passou a fase de grupos sem derrotas e, no caminho para a final, afastou o Hajduk Split e o Bayern Munique.

Esta final pode ter sido célebre por tudo o que significou para o futebol, mas não o foi pela qualidade de jogo em si. “O jogo foi bastante merdoso. Foi tão mau”, contou ao jornal The Guardian Ronald de Boer. Não houve um domínio evidente de ninguém, mas este parecia um jogo feito à medida dos italianos. Aos 70’, Van Gaal mexeu na equipa. Tirou o finlandês Litmanen, lançou em campo um jovem de 18 anos chamado Patrick Kluivert, que tinha ficado no banco apesar de ter sido nessa época o melhor marcador da Eredivisie.

A final manteve-se a zeros até ao minuto 85. Overmars controla na esquerda, faz o passe atrasado para Davids, que a deixa em Rijkaard. O veterano guarda a bola por alguns segundos para avaliar as alternativas e ouve os gritos do jovem Kluivert, do seu lado direito, a pedir a bola. É para lá que ela vai. Kluivert faz a recepção orientada com o pé esquerdo, deixa Boban fora da jogada e, com um segundo toque com o pé esquerdo, mete a bola fora do alcance do guarda-redes Rossi e antes que Baresi lá chegasse. Oito minutos depois, o Ajax celebrava o seu quarto título europeu e, na época seguinte, ainda voltaria à final, derrotado pela Juventus nos penáltis.

Toda essa equipa do Ajax teve carreiras longas e recheadas de títulos, mas longe de Amesterdão. Essa utopia foi vendida às peças para outras latitudes do futebol europeu, mostrando, por um lado, a excelência do seu método, e, por outro, a impotência perante o poderio financeiro de quem não tem paciência para maturar futebolistas.

Depois dessas duas finais, só o FC Porto, em 2004, é que rompeu com o domínio das equipas dos “big 5”, vencendo na final de Gelsenkirchen o Mónaco. Quanto ao Ajax, esteve perto de se tornar numa nova encarnação da utopia, mas não passou das meias-finais da Champions da última época, vendeu alguns dos seus melhores jogadores e vai ter de esperar por outra geração de talento superlativo.