Não aceitamos
A alteração anunciada à lei em vigor, a avançar e a ser aprovada, é uma lei de ruptura no plano cultural e cívico.
A propalada alteração “cirúrgica” à lei que atribui a nacionalidade portuguesa, por naturalização, a “descendentes de judeus sefarditas portugueses, actualmente em elaboração na Assembleia da República, conduz na prática à revogação da Lei Orgânica n.º1/2013, de 29 de Julho. Ao impor elementos não especificados que comprovem uma ligação actual a Portugal esta alteração pode significar tudo e o seu contrário, mas sobretudo a denegação do princípio matricial do jus sanguinis.
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A propalada alteração “cirúrgica” à lei que atribui a nacionalidade portuguesa, por naturalização, a “descendentes de judeus sefarditas portugueses, actualmente em elaboração na Assembleia da República, conduz na prática à revogação da Lei Orgânica n.º1/2013, de 29 de Julho. Ao impor elementos não especificados que comprovem uma ligação actual a Portugal esta alteração pode significar tudo e o seu contrário, mas sobretudo a denegação do princípio matricial do jus sanguinis.
E esquece a natureza e os antecedentes da lei de 2013. O projecto de lei que lhe deu origem, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista de então, foi apresentado e discutido em Sessão Plenária da Assembleia da República em conjunto com um outro apresentado pelo CDS/PP sobre a mesma matéria. Teve como principal objectivo concretizar a reparação histórica de atrocidades sangrentas e vis, sem paralelo, que perduraram séculos, dirigidas contra um povo que foi expulso da terra onde habitava e que era sua “antes de haver nome Portugal”.
Depois de uma ampla e participada discussão pública na especialidade, o projecto foi aprovado por unanimidade e Portugal louvado pela forma elevada como demonstrou de forma inequívoca, a sua vontade genuína de condenação das perseguições contra os judeus que tão funestas foram para o nosso país. O estabelecimento da Inquisição em Portugal só foi possível porque D. Manuel I soçobrou à vontade de soberanos estrangeiros, os Reis Católicos.
Foi inesquecível, para quem a viveu, a sessão plenária na qual teve lugar a votação final do diploma, com aplauso dos deputados e testemunho dos representantes diplomáticos de vários países.
Ignorar este percurso, argumentando com a cessação do regime que até há pouco vigorou em Espanha, e eventual pressão dos pedidos em Portugal, seria somar uma cedência a uma velha e vergonhosa cedência. E significaria atribuir prioridade a uma dificuldade administrativa do Governo em detrimento da resolução de uma questão de natureza civilizacional e cultural.
Não, os descendentes dos judeus sefarditas de origem portuguesa não são descendentes de emigrantes portugueses, nem a eles equiparáveis. Foi-lhes retirado o direito de residirem na sua pátria e, consequentemente, a nacionalidade. E é esta que lhes deve ser restituída, se tal pretenderem, porque foram dela injusta, ilícita e violentamente esbulhados.
A alteração anunciada à lei em vigor, a avançar e a ser aprovada, é uma lei de ruptura no plano cultural e cívico. Uma ruptura com valores essenciais a que, nesta matéria, os presidentes Mário Soares e Jorge Sampaio souberam dar voz em nome de Portugal.
Não nos reconhecemos nas alterações que subvertem a Lei de 2013. Como portugueses e como socialistas reclamamos uma tomada de posição de responsáveis do Grupo Parlamentar, do Governo e do Partido.
Não podemos permitir que a suspeita de anti-semitismo possa recair sobre a Democracia portuguesa e sobre um Partido que sempre se inspirou nos exemplos de tolerância e liberdade dos grandes humanistas portugueses. Não se esqueça, entre outras, a memória de Damião de Goes, Garcia da Orta, Pedro Nunes e do Padre António Vieira.
Não renegamos os nossos percursos de vida. E é também em nome deles que rejeitamos o que seria um atentado aos valores em que acreditamos e à própria natureza do Partido Socialista.