Menos mal que nos queda Portugal
Portugal, que se converteu na referência europeia durante a pandemia, será chamado a desempenhar um papel histórico na construção europeia.
Uma das escassas boas notícias para os países do sul e especialmente para Espanha é a presidência portuguesa da União no próximo mês de janeiro. Uma presidência que também terá de gerir o processo de recuperação e muito provavelmente o orçamento comunitário para o próximo septénio. E num momento em que confluirão os grandes temas que têm dividido a Europa: a política de coesão e os fundos para a recuperação económica, debate não só de vital importância para os países do sul, sobretudo para os mais afetados pela pandemia, como também para o próprio futuro da união.
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Uma das escassas boas notícias para os países do sul e especialmente para Espanha é a presidência portuguesa da União no próximo mês de janeiro. Uma presidência que também terá de gerir o processo de recuperação e muito provavelmente o orçamento comunitário para o próximo septénio. E num momento em que confluirão os grandes temas que têm dividido a Europa: a política de coesão e os fundos para a recuperação económica, debate não só de vital importância para os países do sul, sobretudo para os mais afetados pela pandemia, como também para o próprio futuro da união.
Portugal converteu-se na referência europeia durante a pandemia, e nem tanto pelos números inerentes à pandemia mas pelas suas atitudes políticas. Não vamos dizer que a gestão não pudesse ser melhorada, ou que a relação com câmaras municipais deveria ter sido mais fluida, mas, em comparação com o resto da Europa, Portugal teve uma gestão eficiente e eficaz, baseada principalmente em quatro elementos. Em primeiro lugar, a atitude responsável do povo português e naturalmente dos setores mais envolvidos na luta contra o vírus. Em segundo lugar, o extraordinário trabalho na primeira linha da frente de batalha das câmaras municipais, coordenando, dando respostas e liderando os seus munícipes. Em terceiro lugar, a extraordinária atitude responsável do líder da oposição, Rui Rio, que é uma das duas questões que mais despertam inveja e admiração em Espanha, e, por último, a liderança e valentia do primeiro-ministro, António Costa. Esta é a segunda questão que mais inveja tem despertado em Espanha. Aqui também devemos integrar o papel do Presidente da República, um papel que o Rei tentou desempenhar em Espanha. Claro que em Portugal o chefe de Estado é respeitado e o governo português não tem um vice-presidente que durante as manhãs é vice-presidente do “governo de sua majestade” e que durante a tarde anuncia no Twitter o desmoronar da monarquia.
Por todas estas razões, Portugal é chamado a desempenhar um papel histórico na construção europeia, que consolide uma estratégia concebida e desenvolvida com êxito nos últimos anos e que levou portugueses à presidência da Comissão Europeia ou à secretaria-geral das Nações Unidas. A liderança de António Costa, liderança que de facto já exerce entre os socialistas europeus, será o ponto final para os sonhos do presidente do Governo Espanhol de liderar os socialistas europeus, o que nunca passou disso mesmo, um sonho, já que Pedro Sánchez demonstrou não ter capacidade de liderança nem critério político além da sua imensa ambição de poder. Tudo isto, independentemente das possibilidades de permanecer num governo que não vai depender nos próximos tempos das pesquisas oficiais do CIS (Centro de Investigações Sociológicas governamental), mas do previsível resultado das eleições regionais do próximo dia 12 de julho em Euskadi e na Galiza; eleições das quais também pode surgir uma nova liderança na direita espanhola, condição necessária para que se altere a geometria variável que mantém Pedro Sánchez no poder.
Mas voltando a Portugal, e à próxima presidência da União, António Costa deve liderar o processo de reconstrução europeia, elaborar o roteiro para recuperar a Europa progressista e solidária de Delors, e liderar o restabelecimento da social-democracia europeia absolutamente necessária para travar os populismos da esquerda, tal como o centro-direita europeu é necessário para travar os populismos da direita. Mas, para isto, deve primeiro resolver alguns problemas domésticos que poderiam debilitar a sua liderança. O presidente rotativo da União não pode ter um conflito de interesses, possivelmente legal, mas no mínimo um conflito ético e desde logo estético, mantendo à frente de uma Comissão de Coordenação, com responsabilidade na atribuição e gestão de fundos europeus, o marido da comissária, também portuguesa, responsável pelos ditos fundos. Esta situação que urge ser corrigida deve dar origem ao cumprimento da promessa do primeiro-ministro de as presidências das Comissões de Coordenação serem eleitas por colégios eleitorais autárquicos e isso deve acontecer antes da presidência europeia, antes da execução do próximo quadro comunitário e, naturalmente, antes das eleições autárquicas do próximo ano. O consenso das forças políticas portuguesas deve manter-se no tempo, pelo bem de Portugal e de toda a Europa. E também digo isto como galego, isto é, por total interesse e egoísmo.
Especialista em relações fronteiriças
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico