A pandemia tornou-se viral – é hora de mudar a comunicação sobre covid-19
A pandemia do novo coronavírus tornou-se viral e está em todo o lado. Como diz o ditado, nem tanto ao mar nem tanto à terra. É preciso encontrar um equilíbrio entre negar que o risco existe e deixar que o vírus nos consuma a todo o momento. A comunicação sobre covid-19 não pode estar em estado de calamidade.
Ligo a televisão pela manhã, leio mais um artigo no jornal, abro notificações do telemóvel, perco-me nas redes sociais e lá está ele: o novo coronavírus. “Estou farto, já não posso com mais notícias sobre covid-19.”
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Ligo a televisão pela manhã, leio mais um artigo no jornal, abro notificações do telemóvel, perco-me nas redes sociais e lá está ele: o novo coronavírus. “Estou farto, já não posso com mais notícias sobre covid-19.”
Esta pandemia de informação e desinformação resulta do excesso de informação, na qual se incluem rumores, notícias falsas e recomendações sem fundamento científico. O acesso à informação é fundamental, mas mais importante será o uso que fazemos dela. O problema desta infodemia foi identificado pela Organização Mundial da Saúde há três meses, mas o que aconteceu desde então?
O progressivo desconfinamento da sociedade portuguesa não foi acompanhado por uma mudança na comunicação sobre covid-19. A literacia em saúde é um chavão demasiado utilizado na teoria, sem a devida repercussão na prática. Hoje conseguimos aceder com relativa facilidade a informação fidedigna mas persistem dificuldades na compreensão, análise e aplicação. Se somarmos o cansaço provocado pela saturação de constantes notícias, percebemos que este é um cenário problemático.
Em Portugal houve um aumento de 23% das audiências televisivas entre Fevereiro e Março, com espaços noticiosos dedicados quase na íntegra à covid-19. Felizmente parte deste tempo de antena é acompanhado de verdadeiros especialistas em saúde pública, que procuram esclarecer devidamente informações pouco válidas e conceitos complexos. Pior é quando pessoas sem formação em saúde pública utilizam este horário para veicular opiniões sem validade científica e gerar confusão. Precisam-se mensagens simples, claras e úteis para o dia-a-dia.
A utilização de gráficos é uma importante ajuda neste trabalho de tradução de conceitos e números em informações facilmente perceptíveis e úteis. Nem sempre se utilizam gráficos que facilitam a interpretação dos dados ou não são utilizados de todo. Sejam jornalistas ou profissionais de saúde, é preciso contar as histórias que esses dados escondem e usar a visualização de dados com foco na experiência e percepção do utilizador.
Entre as principais consequências desta pandemia de informação e desinformação destaco o impacto na saúde mental e a falta de confiança nos dados transmitidos. Não são de hoje os problemas de saúde mental que surgem, mas foram certamente agravados pela necessidade de confinamento e exposição constante a conteúdos que geram stress. À data de 10 de abril, 82% dos portugueses reportava efeitos negativos na sua saúde mental, como sensação de ansiedade ou depressão. E 45% referem limitar de alguma forma a informação que consultam sobre covid-19. A prevenção é um elemento-chave para prevenir o aumento do risco de suicídio, consumo de álcool e outras substâncias prejudiciais.
Por outro lado, incoerências nos dados apresentados colocam em causa a sua transparência e prejudicam a confiança nas fontes de informação. Comunicar incerteza é um desafio enorme e torna ainda mais difícil e mais importante uma comunicação clara. Veja-se o exemplo das máscaras de proteção e as informações contraditórias transmitidas em diferentes alturas, à medida que o conhecimento sobre o vírus avançou. Hoje, sendo recomendada a sua utilização no dia-a-dia, importa capacitar as pessoas para as utilizar corretamente. Que máscaras se devem usar e quando? Podemos lavar a máscara com outras roupas? Seria interessante emitir reportagens televisivas em que esta prática seja exemplar, pois já todos vimos aquela pessoa que fala para a televisão com a máscara no queixo ou a levanta para beber uma imperial.
Valerá a pena manter uma conferência de imprensa diária? A aproximação entre as instituições de saúde e a comunicação social é de salutar e espero que se mantenha. Mas a comunicação diária de dados neste formato é exagerada e desgastante para todos. Nem sempre mais é melhor. Começamos a ficar saturados de tanta informação e por alguma razão o número de momentos informativos entre os 20 programas mais vistos entre Março e Abril passou de sete para quatro.
É preciso saber desligar e fazer aquilo que nos dá prazer. A nossa saúde mental agradece se virmos apenas notícias uma vez por dia e reduzirmos o tempo que passamos em frente aos ecrãs. Devemos fazê-lo de forma consciente e responsável, assegurando que estamos preparados para lidar com o risco de infectar e ser infectado pelo vírus. Este é o desafio que deixo às instituições na área da saúde e da comunicação: mudar o foco da doença para exemplos de como podemos promover a nossa saúde e escolher as estratégias e canais adequadas aos grupos-alvo. Seja para comunidades mais desfavorecidas que não compreendem português ou para os mais jovens que utilizam mais o Tik-Tok do que outra plataforma. A Direção-Geral da Saúde tem produzido vários documentos úteis a diversos setores económicos e apostado na comunicação através do Facebook e televisão, mas há margem para melhorar.
As recomendações e adaptações necessárias para o regresso a uma nova normalidade devem considerar qual a percepção do risco que as pessoas têm em relação à covid-19. Projetos de investigação em áreas sociais, como o Barómetro covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública, são fundamentais para garantir que as medidas tomadas vão ao encontro das necessidades.
A comunicação em saúde é uma das dez operações essenciais da saúde pública e deve ser financiada, planeada e tratada como tal. Se nada for feito hoje, o futuro não augura nada de bom.
A pandemia do novo coronavírus tornou-se viral e está em todo o lado. Como diz o ditado, nem tanto ao mar nem tanto à terra. É preciso encontrar um equilíbrio entre negar que o risco existe e deixar que o vírus nos consuma a todo o momento. A comunicação sobre covid-19 não pode estar em estado de calamidade.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico