A igualdade entre mulheres e homens no centro da recuperação europeia
Os investimentos não são neutros em termos de género. Não considerar o impacto que as políticas e investimentos públicos terão nas mulheres e nos homens pode ter como consequência não intencional o agravamento das desigualdades entre umas e outros.
A igualdade entre as mulheres e os homens deve estar no centro da proposta a apresentar brevemente pela Comissão Europeia sobre o pacote de estímulos da UE/plano de recuperação. Esta é uma oportunidade única para implementar o compromisso da Comissão para com a igualdade entre as mulheres e os homens, um compromisso destacado no discurso da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ao Parlamento Europeu em julho de 2019 e na recentemente apresentada Estratégia para a igualdade entre mulheres e homens (março de 2020).
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A igualdade entre as mulheres e os homens deve estar no centro da proposta a apresentar brevemente pela Comissão Europeia sobre o pacote de estímulos da UE/plano de recuperação. Esta é uma oportunidade única para implementar o compromisso da Comissão para com a igualdade entre as mulheres e os homens, um compromisso destacado no discurso da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ao Parlamento Europeu em julho de 2019 e na recentemente apresentada Estratégia para a igualdade entre mulheres e homens (março de 2020).
Em toda a Europa, as mulheres mantêm as nossas sociedades a funcionar neste tempo de pandemia, excedendo o que sempre fizeram, e sem qualquer reconhecimento e valorização social. Elas são a maioria entre os profissionais de saúde e assistência, prestando cuidados a doentes, idosas/os, pessoas com deficiência, pessoas com necessidades especiais. Elas estão também, em muitos países, a prestar cuidados em casa durante o confinamento, substituindo-se a profissionais da educação e saúde enquanto tentam conciliar as suas próprias responsabilidades profissionais com o trabalho não pago relativo às tarefas domésticas e de apoio aos membros dos seus agregados familiares. Elas estão a assegurar as nossas cadeias alimentares enquanto maioria dos trabalhadores em supermercados e serviços de distribuição alimentar. Elas estão a garantir um ambiente seguro, muitas vezes a expensas da sua própria saúde e das suas famílias, enquanto esmagadora maioria no setor das limpezas. Elas acompanham e tranquilizam as pessoas a quem esta pandemia está a causar imenso sofrimento: mulheres vítimas de violência nas relações de intimidade, mulheres sem abrigo, mulheres idosas, mulheres indocumentadas, mulheres no sistema da prostituição. Por outras palavras, elas são o pilar invisível, mas sempre presente, na nossa sociedade.
Embora as mulheres sempre tenham assumido o essencial das responsabilidades cuidadoras, elas são as trabalhadoras menos valorizadas e mais mal remuneradas, em setores sem os quais, como agora se percebe claramente, as nossas sociedades e economias simplesmente entrariam em colapso. Este é o momento para reconhecer o valor do trabalho cuidador, não só aplaudindo, mas investindo nos setores em que as mulheres mais trabalham: saúde, assistência social, educação, alimentação e limpezas, para referir apenas os mais relevantes no atual contexto, sem esquecer que é também nestes setores que as mulheres migrantes e de baixo estatuto socioeconómico estão concentradas. O cuidado deve ser valorizado como nunca o foi. E não apenas agora, mas especialmente no período pós covid-19.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) [1] estimou que, em termos internacionais, será necessário criar 475 milhões de empregos para atender às necessidades futuras do cuidado na educação, saúde e assistência social, por forma a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ou seja, o setor do cuidado tem um enorme potencial de criação de empregos. É esta realidade que deveria estar refletida nas próximas propostas por parte da Comissão Europeia relativas a um plano de recuperação/estímulo europeu e no próximo Quadro Financeiro Plurianual de sete anos (2021-2027), logo, no próprio orçamento da UE.
Os investimentos não são neutros em termos de género. Não considerar o impacto que as políticas e investimentos públicos terão nas mulheres e nos homens pode ter como consequência não intencional o agravamento das desigualdades entre umas e outros. Daí a importância de um pacote de estímulos europeu que atenda aos efeitos diferenciados que terá sobre as mulheres e sobre os homens, e que coloque a promoção da igualdade no seu centro, de acordo com as obrigações decorrentes do Tratado da UE.
O pacote de estímulos europeu deve promover a igualdade entre as mulheres e os homens, eliminando as discriminações contra as mulheres, garantindo-lhes igual acesso aos recursos disponibilizados aos Estados-membros e reconhecendo o real valor dos seus contributos para as nossas sociedades. Tal enviaria uma mensagem muito positiva e reforçaria a confiança no projeto europeu.
[1] ILO: Care work and care jobs for the future of decent work
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico