Ermida em aldeia histórica do Bombarral ameaçada por construção privada

Câmara do Bombarral e Direcção Geral do Património Cultural autorizaram construção a escassos metros de um monumento que deveria ter uma zona geral de protecção de 50 metros.

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A Ermida de Nossa Senhora do Socorro, no Carvalhal - a aldeia história bombarralense que foi cenário da popular série Bem-Vindos a Beirais está ameaçada na sua zona de protecção por uma moradia privada que está a ser construída praticamente em cima do monumento.

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A Ermida de Nossa Senhora do Socorro, no Carvalhal - a aldeia história bombarralense que foi cenário da popular série Bem-Vindos a Beirais está ameaçada na sua zona de protecção por uma moradia privada que está a ser construída praticamente em cima do monumento.

A Câmara do Bombarral embargou a obra mas por questões ligadas à sua execução e não por esta ser ilegal, visto que a Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) deu parecer positivo ao projecto, ainda que de forma condicionada.

A olho nu basta uma visita ao local para se perceber que há algo de errado numa construção quase encostada ao muro que ladeia o monumento do séc. XVI que se situa precisamente à entrada da aldeia e logo a seguir ao Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal. As obras estão ao nível das fundações e ameaçam crescer paredes meias com a capela até se transformarem numa moradia, com muro e piscina, de acordo com a Câmara do Bombarral, que diz ter emitido o licenciamento deste projecto a 19 de Março depois de a DGPC o ter aprovado em a 30 de Setembro do ano passado.

Em resposta a perguntas do PÚBLICO, o município diz que “cumpriu com toda a legislação existente”, mas que não ouviu o Patriarcado (proprietário da capela) porque este “não é entidade de referência”.

Opinião contrária tem o pároco do Carvalhal, Aníbal Pinto, que diz que “é uma vergonha o que está a acontecer” porque a moradia põe em causa a envolvente de um imóvel “que é um encanto e uma beleza”. O padre diz que está “indignado” com uma obra que teve início há poucos dias com a deposição de “pedregulhos e de entulho” junto à capela e pergunta “como é que a Câmara permitiu uma coisa destas’”. 

Pelos vistos, isso o município não permitiu porque em 11 de Maio embargou as obras devido a “movimentos de terra em área de Reserva Ecológica Nacional que não se encontravam previstas, nem licenciadas no processo de licenciamento”.

Essa movimentação de terras poderá comprometer uma das exigências da DGCP que diz ter “emitido aprovação condicionada à adequação de alguns aspectos do projecto, visando a melhoria da visibilidade do imóvel classificado”, bem como à realização de uma intervenção arqueológica. Intervenção que ainda não foi feita porque a DGCP diz que está a aguardar o Pedido de Autorização de Trabalhos Arqueológicos “com vista ao diagnóstico da presença de vestígios arqueológicos preservados e eventual compatibilização do projecto aprovado com a salvaguarda dos mesmos”.

Aquela entidade confirma ainda que a capela da Nossa Senhora do Socorro é um Imóvel de Interesse Público e que “todas as operações urbanísticas previstas para a área abrangida pela respectiva Zona Geral de Protecção (de 50 metros) carece de parecer vinculativo da DGPC”.

E é isto que Fernanda Quadros, advogada e residente no Carvalhal, considera “incompreensível”. Face à legislação actual, “como é que a DGCP autorizou uma construção que não respeita o perímetro de protecção do monumento?”, questiona.

O empresário Guilherme Collares Pereira, que também vive naquela aldeia, não compreende como se permitiu uma construção “que fica agarrada a dois ou três metros” do monumento. E conta que, há dez anos, houve uma tentativa de ali se construir uma casa, mas que ele próprio escreveu ao Patriarcado e a obra não avançou. “Recebi até uma carta da Igreja a agradecer-me o interesse e a felicitar-me por haver quem se preocupe com a preservação do património”, disse ao PÚBLICO.

A capela em questão data de 1574 e é um monumento singelo, formado por dois corpos distintos (a nave e a capela-mor), o que contrasta com a riqueza do seu interior onde, de acordo com o site da DGPC, “se destacam as linhas estruturais maneiristas, de gosto erudito, e a decoração barroca, patente no programa azulejar e nas pinturas ornamentais”.

O Carvalhal é uma aldeia histórica com 600 anos, conhecida pela sua torre medieval e pelo Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal. Recentemente a localidade ficou conhecida por nela terem sido rodados os episódios da série Bem-Vindos a Beirais.