Quando caírem as máscaras
É melhor colocar bem a máscara, respeitar o distanciamento social e continuar em frente, como até aqui. Só assim conseguiremos, com máscaras e depois delas caírem, enfrentar e resolver os gravíssimos problemas individuais e coletivos decorrentes desta crise.
“Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!”Mensagem, segunda parte, “O Infante”
Fernando Pessoa
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“Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!”Mensagem, segunda parte, “O Infante”
Fernando Pessoa
Pediram-me, há poucos dias, para prestar um depoimento relacionado com este período de “saída do casulo” que estamos a viver. Por ser alguém que esteve em confinamento, pela idade e também por dever social, entendi terminar as minhas palavras com versos de Pessoa, para agradecer a todos os que, na primeira linha, nos salvaram de piores males. A razão da minha escolha é simples, nestes dois meses entendo que, graças a eles, Portugal cumpriu. Estar confinado não significou para mim estar encarcerado, mantive, como muitos, uma intensa atividade online, mas a gratidão para quem nos protegeu é mais do que devida e sempre de realçar.
Pessoa, no dizer de António Quadros, entendia que todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Quando agora me cruzo com tantas portuguesas e portugueses mascarados, porque assim deve ser, para nosso bem coletivo, não consigo deixar de me lembrar do sentido da frase de Pessoa que morreu sozinho no Hospital de São Luís dos Franceses, desconhecido de todos, mas sem máscara. Felizmente, hoje é célebre e reconhecido em todo o mundo.
Podia citar inúmero casos semelhantes que a história regista com enorme crueza. No entanto, ninguém pensaria que, em 2020, estaríamos impedidos, como agora, de velar, em todo o mundo, os nossos mortos. Recordo que o mesmo já tinha sucedido recentemente em África, com a epidemia da dengue, mas a catástrofe não assumiu uma escala global.
Vencer uma pandemia é uma missão coletiva que exige, em países democráticos, um grande sentido de responsabilidade e de altruísmo nos comportamentos sociais. Exige também aquilo que Pessoa assumiu como o não valer a pena ser célebre quando o essencial é sermos todos importantes uns para os outros. Resistir à tentação do protagonismo fácil e da agitação motora e verbal para ser visto e ouvido quando, no fundo, não se tem nada de relevante para dizer, deve ser apanágio de todos.
É melhor colocar bem a máscara, respeitar o distanciamento social e continuar em frente, como até aqui. Só assim conseguiremos, com máscaras e depois delas caírem, enfrentar e resolver os gravíssimos problemas individuais e coletivos decorrentes desta crise.
Vamos recomeçar e cumprir, por Portugal.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico