Na mama ou à distância, o aleitamento materno voltou a ser norma

Não interessa o resultado do teste ao novo coronavírus: facilitar o leite materno voltou a ser a política defendida pela DGS. Especialistas falam dos cuidados a ter, de como estimular a mama e de como fazer a relactação.

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O contacto pele com pele é relatado como vital para a estimulação da mama e do bebé ENRIC VIVES-RUBIO (Arquivo)

O desperdício do leite materno, conforme proposto nas recomendações da Direcção-Geral da Saúde (DGS) em finais de Março, desapareceu na revisão das directivas publicada nesta terça-feira. Porém, para as mães diagnosticadas com covid-19, a amamentação representa um desafio maior. Mas não intransponível, defendem os especialistas.

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O desperdício do leite materno, conforme proposto nas recomendações da Direcção-Geral da Saúde (DGS) em finais de Março, desapareceu na revisão das directivas publicada nesta terça-feira. Porém, para as mães diagnosticadas com covid-19, a amamentação representa um desafio maior. Mas não intransponível, defendem os especialistas.

Segundo as mais recentes recomendações, a promoção da amamentação “deve continuar a ser fomentada”, o que implica, explica a enfermeira Carmen Ferreira, especialista em saúde materna e obstétrica, logo a seguir a um parto, percorrer os mesmos passos independentemente do resultado da análise à covid-19e desde que as mães tenham vontade e capacidade clínica.

A especialista reforça a importância do contacto pele com pele logo a seguir ao nascimento, que ajuda o bebé, mas também a produção do leite, à medida que contribui para a libertação da hormona que irá ser essencial em todo o processo — a oxitocina, também conhecida como a hormona da felicidade ou da tranquilidade. Além disso, sublinha, é importante compreender “a importância da primeira mamada”, seja por via directa ou indirecta.

No caso de uma mãe com resultados positivos para uma infecção SARS-CoV-2, os cuidados, resume Carmen Ferreira, são os assinalados pelo documento da DGS: “Amamentar com a utilização de máscara, após higiene cuidada das mãos e das mamas.” No entanto, a enfermeira acrescenta que, ao contrário da higiene das mãos, a lavagem das mamas deverá ser realizada apenas com os mesmos produtos usados para o resto do corpo, sem que se caia na tentação de recorrer a álcool ou a produtos desinfectantes. Primeiro, porque à partida estas partes do corpo estarão protegidas das gotículas transmissoras do vírus; depois, porque os produtos de desinfecção vão secar a pele, ficando esta mais sujeita a gretas. “Já a higienização das mãos e da cara do bebé deve ser feita apenas com água.”

Como a utilização da máscara cria uma barreira visual — é importante para o recém-nascido ver o rosto da mãe —, a especialista aconselha o reforço de viver os outros sentidos. “Evitar colocar luvas no bebé e deixá-lo tocar livremente na mama” ou “eliminar ou minimizar o uso de perfumes e desodorizantes pela mãe”, o que vai permitir que o recém-nascido se guie pelos sentidos do tacto e do olfacto.

Amamentar à distância

Enquanto algumas situações se fazem por contacto directo, outras têm obrigado a um processo à distância — sobretudo causado pelo isolamento imposto. Um cenário habitual numa unidade de neonatologia com bebés prematuros, mas menos comum com quem nasce de termo.

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Dulce Fernandes (Arquivo)

“Nos prematuros, uma das técnicas usadas para a estimulação da produção do leite é pôr o bebé em posição de canguru”, explica Paula Guerra, mãe de uma prematura e na génese da criação da XXS – Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro, regressando à importância do contacto do bebé com a pele da mãe. Paralelamente, num processo de aleitamento à distância, relata Paula Guerra, é relevante que a mãe se faça acompanhar do bebé mesmo quando este se mantém internado, levando consigo o cheiro do recém-nascido (em objectos pessoais dele) ou sons (gravados) — estímulos aos quais o corpo responde com a produção de leite.

No cenário actual, a mesma responsável aponta como maior dificuldade “a dúvida que traz medos e ansiedades”, tudo o que “não é desejável num processo de amamentação”. Por isso, reflecte sobre a importância da comunicação dos médicos e pessoal de saúde com as puérperas, mas também sobre a necessidade de um apoio psicológico disponível.

“O cuidado dos técnicos na passagem da informação à mãe é fundamental”, concorda a directora do Serviço de Pediatria na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), Teresa Tomé, em declarações ao PÚBLICO. É que, se, por um lado, não se pode dizer que o risco de transmissão não existe, uma vez que o contágio horizontal é uma possibilidade, por outro, este risco não é necessariamente um impedimento. De qualquer forma, a responsável pelos cuidados aos recém-nascidos naquela unidade lisboeta manifesta-se “contente pela alteração nas normas publicadas” esta terça-feira. “Facilitar o leite materno esteve sempre em linha com as orientações internacionais”, reforça, considerando que o aleitamento directo ideal, “desde que haja condições físicas para o fazer”, salvaguarda.

Voltar à mama

Também como é mais habitual entre prematuros há bebés que, mesmo alimentados com leite humano, vão ter contacto com a fonte directa, a mama, vários dias após o seu nascimento. E, ao contrário do que seria perfeito, esta adaptação pode não ser fácil.

O processo de relactação, ou seja, de fazer com que o bebé abandone o biberão e passe a alimentar-se à mama, requer alguma paciência e tempo, explica Carmen Ferreira, que sublinha a importância de “tentar, neste período, não confundir o bebé com tetinas”.

A enfermeira, que aconselha a procurar ajuda técnica, explica que a passagem poderá incluir várias etapas, nomeadamente o trocar primeiro o biberão pela seringa ou pelo copinho. Outra ferramenta disponível é o Sistema de Nutrição Suplementar, que permite, através de uma sonda colocada junto ao mamilo, alimentar o bebé ao mesmo tempo que este estimula a produção e se habitua à mama, adequando a pega.

A pediatra Teresa Tomé indica que a maioria das maternidades tem pessoal especializado para dar apoio nestes processos. No caso específico da MAC, além de o serviço ser prestado à distância, a clínica avança que, gradualmente, também o apoio presencial tem vindo a ser retomado.

O sucesso da amamentação

Além dos benefícios comprovados, o sucesso do aleitamento está sujeito a diversas variáveis — nem todas sob o controlo da mãe. No entanto, Carmen Ferreira deixa algumas dicas para que decorra de forma eficiente e satisfatória. A começar por “esquecer os relógios”.

Em vez de olhar para o relógio, a enfermeira aconselha a “ler” o bebé. “Não é preciso esperar pelo choro para saber que tem fome”, esclarece. “Procurar a mãe com o olhar, pôr a língua de fora ou fazer a expressão de abocanhar, como se estivesse à procura da mama”, são sinais de que está na hora de ser alimentado.

Além disso, “não condicionar o tempo nem o número de mamadas (que, nos primeiros tempos, deverão ser entre oito e 12 por dia), ajuda a estimular a produção do leite”, mas também a melhorar a interacção entre mãe e bebé. Caso a necessidade passe pela extracção mecânica, a profissional deixa o mesmo conselho: fazê-lo com a regularidade com que o bebé mamaria.

Depois, fala sobre a necessidade de “saber colocar o bebé à mama”, deixando claro que o mais importante é “procurar uma posição em que a mãe esteja confortável”. “A hormona responsável pela produção de leite, a oxitocina, é também a hormona da felicidade. Por isso, para que a mesma seja libertada é essencial que a mãe esteja bem: numa posição confortável, sem fome nem sede.”

A alimentação é, aliás, para esta especialista uma condição essencial para que a amamentação decorra da melhor forma, deitando por terra os mitos dos alimentos que provocam cólicas. “À excepção de algumas substâncias, nomeadamente estimulantes (como chá ou café), não há qualquer evidência que o que a mãe come provoque cólicas no bebé — estas são provocadas pela imaturidade do intestino e não pelo que a mãe põe no prato.” No entanto, importa manter uma alimentação equilibrada e saudável com um acrescento calórico diário, estimado em cerca de 500 calorias por dia.

Da parte do bebé, importa perceber se tem dificuldades a mamar — um freio da língua curto pode dificultar a pega, explica, assim como uma idade gestacional inferior, revelando menos força de sucção. Em qualquer dos casos, a enfermeira aconselha a procurar ajuda especializada. Se a busca por uma resposta for urgente, Carmen Ferreira deixa a dica para espreitar o site e-lactancia.org (disponível em inglês e espanhol).