Governo rejeita intervir no conflito do Porto de Lisboa

Em audição parlamentar, ministro das Infraestruturas revela que o executivo está preocupado em garantir que o porto continue a funcionar e que “a lei faz o seu caminho”

Foto
dro Daniel Rocha

O Governo não tenciona fazer nenhum tipo de intervenção directa no Porto de Lisboa, onde o conflito laboral entre o Sindicato dos Estivadores e Actividade Logística (SEAL) e as empresas que ali fazem operação portuária se continua a arrastar.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Governo não tenciona fazer nenhum tipo de intervenção directa no Porto de Lisboa, onde o conflito laboral entre o Sindicato dos Estivadores e Actividade Logística (SEAL) e as empresas que ali fazem operação portuária se continua a arrastar.

“Há muita gente à espera que possa haver uma maior acção por parte do Governo. Mas sou dos que acha que, às vezes, quando nos metemos vamos prejudicar. Neste caso, o Governo só tem de garantir que a lei faz o seu caminho”, afirmou o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, durante uma audição parlamentar sobre a insolvência da Associação - Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa (AETPL), agendada por requerimentos do PCP e do BE.

Durante quase duas horas, as perguntas vieram de todas as bancadas, com o PCP, o BE e o PAN empenhados em demonstrar o que consideram ser as fragilidades e as ilegalidades da declaração de insolvência da AETPL e as consequências que isso trouxe durante a greve convocada pelos estivadores, que culminou numa requisição civil, e que acabou suspensa por causa da declaração do estado de emergência.

“O Porto de Lisboa está novamente com um pré-aviso de greve em cima da mesa. Mas agora as coisas estão a funcionar dentro da normalidade possível. Pelo menos os serviços mínimos estão a ser cumpridos e não há nenhuma razão para avançar com requisição civil”, explicou o ministro. 

Num tom muito mais calmo e sereno do que aquele que levou para a Assembleia da República há duas semanas – Pedro Nuno Santos avisou que ia fazer um esforço para se conter, porque não querer que a assertividade, que reconhece, seja confundida com arrogância, que recusa, disse – o ministro insistiu que os deputados estavam “a laborar num equívoco”.

“Acusam o Governo de tudo e de mais alguma coisa, mas o Governo aqui não decidiu nada. Quem declara insolvência da empresa foi um tribunal. Se um tribunal disser que essa insolvência foi ilegal, cá estaremos, como sempre, para fazer cumprir a lei”, afirmou o ministro.

O Governo está preocupado com a perda de relevância que o Porto de Lisboa tem vindo a demonstrar, declarou mas manteve a opinião de que o executivo não pode ter qualquer intervenção neste conflito.”Estão zangados comigo, a responsabilizar-me por decisões que eu não tomei e não dependem de mim”, afirmou o ministro.

Bruno Dias, do PCP, acusou o Governo de estar do lado do “operador turco”, que fecha uma empresa de forma “fraudulenta” para abrir uma outra ao lado, afirmou, e pediu ao ministro dados concretos das motivações que o levaram a fazer a requisição civil, e exemplos do incumprimento dos serviços mínimos, nomeadamente o nome dos navios que garantiam o abastecimento às regiões autónomas.

Bruno Dias tinha a informação de que zero destes navios foram afectados. Pedro Nuno Santos respondeu com um trocadilho: “O senhor deputado diz que foi zero. Pois eu digo-lhe que não foi nenhum. E não estamos a dizer a mesma coisa. O que eu lhe digo é que dos três navios que iam fazer esses serviços – para o Corvo, para as Furnas, nos Açores, e para o Caniçal, na Madeira – nenhum fez o serviço como estava previsto”, afirmou o ministro.

Quanto ao operador turco, uma referência à Yildirim, que comprou o negócio portuário que a Mota-Engil detinha em Portugal, nomeadamente a Liscont, no Porto de Lisboa, o ministro lembrou que há mais empresas a operar no porto, e que as greves já existiam antes da Yildirim ali chegar.

“Recordo que entre 2008 e 2018 foram 123 pré-avisos de greve. E que uma semana depois do contrato colectivo de trabalho, acordado em 2017, e que era suposto trazer paz social durante um par de anos, o Sindicato estava a entregar um pré-aviso de greve por solidariedade aos estivadores do Funchal”, disse o ministro.

"Trabalhadores de aviário"

José Soeiro, do Bloco de Esquerda, disse que o Governo pactuou com o despedimento ilegal de trabalhadores com experiência, assistindo ao cumprimento de requisições civis com “trabalhadores de aviário”, acabados de contratar, e sem experiência nenhuma. Numa segunda intervenção, Soeiro lembrou o ministro de que ele nunca conseguiria a paz social que tanto procura “partindo a espinha ao sindicato que representa os trabalhadores”. 

Pedro Nuno Santos nunca subiu o tom, mas acusou o toque, lembrando que “não há trabalhadores de aviário”.

“Houve uma empresa que entrou em insolvência, os operadores fizeram propostas à maioria desses trabalhadores, eles não aceitaram e [os operadortiveram de ir ao mercado recrutar. Enquanto ministro não posso tomar nenhuma decisão com base em especulações sobre o que motivou ou deixou de motivar uma empresa”, argumentou o governante.

A deputada do PSD, Filipa Roseta, juntou às preocupação de a paz social andar afastada do Porto de Lisboa o facto de esta estrutura estar a perder relevância, ao mesmo tempo que a cidade e os seus moradores continuam a ser impedidos de melhorar a sua relação com o rio.

“Sempre nos foi dito, quando havia tentativas de conquistar mais espaço da frente ribeirinha para a cidade e os seus moradores, que a actividade portuária era demasiado importante, e que o porto estava em expansão. Como é que vamos encaixando esta informação sucessiva de que está a perder relevância?”, questionou a deputada. 

Pedro Nuno Santos respondeu-lhe que, “felizmente, e dentro da normalidade possível, o Porto de Lisboa continua a funcionar – “caso contrário já todos tínhamos percebido, e da pior maneira possível”, argumentou o ministro. Sobre a ambição de atribuir ao município de Lisboa as áreas portuárias que não estejam afectas à actividade, o ministro das Infraestruturas diz que “essa negociação complexa, difícil e importante” continua a ter lugar.

“Estudei em Roterdão e sou um dos que acha que uma cidade que tem um porto é uma cidade privilegiada. Eu acredito que sem pôr em causa a actividade do porto é possível melhorar a articulação entre a cidade e o rio”, afirmou o ministro.

Depois de quase duas horas de perguntas e respostas, o ministro das Infraestruturas resistiu a todos os apelos para que tivesse uma intervenção maior. “Está a dizer-nos que a intervenção do Governo é decretar requisição civil quando for necessário e pronto. O ministro não pode fazer mais do que isto?”, questionou Filipa Roseta.

Pedro Nuno Santos disse, durante o debate, que não tinha dito que não ia fazer nada, porque continua “empenhado em mediar [através da Administração do Porto de Lisboa] as partes dentro do quadro legal que está em vigor”.

“O pior que podia acontecer é o Governo achar que pode fazer aquilo que é a competência dos outros”, terminou o ministro, referindo-se aos tribunais e ao poder judicial, que é onde a questão da insolvência da AETPL poderá ser discutida.

De resto, garantiu que não houve problemas de segurança no porto com cargas pretensamente radioactivas, e recusou ter havido qualquer aumento de número de acidentes.