Marta Hugon leva-nos a Cabo Verde na segunda viagem pelo seu novo disco
Lançado em 2019 e com apresentação ao vivo marcada para Dezembro de 2020 no CCB, o novo disco de Marta Hugon, Coração Na Boca, estreia novo videoclipe. Chama-se Praia e é uma declaração de amor a Cabo Verde.
É o primeiro disco de Marta Hugon integralmente cantado em português e, publicado em Setembro de 2019, dele já tinha sido lançado um single e videoclipe, Tudo pode acontecer. Agora, quando o mundo ainda lida com a pandemia da covid-19, surge o segundo, Praia, que não é inspirado nas areias estivais mas sim na cidade cabo-verdiana com esse nome.
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É o primeiro disco de Marta Hugon integralmente cantado em português e, publicado em Setembro de 2019, dele já tinha sido lançado um single e videoclipe, Tudo pode acontecer. Agora, quando o mundo ainda lida com a pandemia da covid-19, surge o segundo, Praia, que não é inspirado nas areias estivais mas sim na cidade cabo-verdiana com esse nome.
Marta Hugon, que nasceu em Lisboa, em 17 de Setembro de 1971 e se tornou conhecida pela sua ligação ao jazz, foi a Cabo Verde pela primeira vez em 1985, numa viagem de férias com os pais. Tinha então 13 anos e estava “na transição da infância para a adolescência”, como conta agora ao PÚBLICO: “Foi a primeira vez que eu saí de Portugal e teve em mim um impacto enorme. Era um ambiente completamente diferente, que não tinha nada a ver com a realidade que eu conhecia. Porque uma coisa é nós conhecermos da literatura, e já nessa altura eu era uma leitora ávida, mas outra coisa é de repente termos uma experiência física noutro país, com outra cultura, outra música, outros cheiros, outra comida, outra dança, tudo diferente.” Esse ambiente era o da Cidade da Praia.
“Foi uma impressão muito forte e fiquei logo apaixonada. De tal modo, que voltei logo em 1987, com o meu pai (a minha mãe faleceu logo a seguir à nossa primeira ida) e depois arranjei sempre pretextos para voltar, porque tinha amigos e ligações à cidade.” Para visitar e até para cantar, no Centro Cultural Português. “Ficou-me essa ligação. E quando escrevi a Praia foi como uma declaração de amor, uma canção construída nessa memória que a realidade não defraudou. Porque voltei muitas vezes, sempre com experiências felizes.”
A música de Praia foi feita por Sara Tavares e a canção, na sua forma final, nasceu de um encontro entre ambas (não se conheciam pessoalmente) nas instalações do Hot Clube. O vídeo foi gravado na Cidade da Praia, a capital cabo-verdiana, em Fevereiro, um mês antes de a pandemia da covid-19 ter alterado todos os planos, quer na música quer nas viagens.
De inglês para português
Nos quatro discos anteriores, Tender Trap (2005), Story Teller (2008), A Different Time (2011) e Bittersweet (2016), Marta Hugon cantara quase sempre em inglês, à excepção de duas versões de canções brasileiras: Falsa Baiana, de Geraldo Pereira (em Tender Trap) e Suburbano coração, de Chico Buarque (em Story Teller). Mas Coração Na Boca é cantado exclusivamente em português, com letras de José Eduardo Agualusa (Nascer outra vez), Joana Espadinha (Fugaz, A voz), André Fernandes (Espantar o medo), Afonso Cabral (Pressa), Filipe Melo (Beija flor), Luís Figueiredo (Combustão, Tudo pode acontecer), Maria Villanueva (As tuas fraquezas), Nadia Schilling (Longe) e da própria Marta Hugon (Praia, Sicília). Marta assina também cinco das doze músicas do disco, a par de composições de Mário Laginha, Sara Tavares, Joana Espadinha, Maria Villanueva, André Fernandes, Francisca Cortesão e Luís Figueiredo, responsável pela produção e arranjos.
“O que aconteceu”, diz Marta Hugon, “foi que, na prática, a par da experiência de palco, comecei a escrever mais em português. E as pessoas diziam ‘que bonito, quando cantas em português’. Mas independentemente desse feedback, que vale o que vale, a verdade é que queria escrever em português. Já para o Bittersweet eu tinha algumas coisas escritas em português, que ficaram de fora, porque o disco acabou por se definir todo em inglês.”
O desafio, antigo, cumpriu-se no novo disco. “E num universo de afinidades: literárias, de gosto. Segui um bocadinho a minha intuição em relação às pessoas que achei que podiam encarar este desafio como uma coisa prazerosa. Daí o convite ao Agualusa, por exemplo. Fui passando uma espécie de briefing, que não correu mal, porque todas as coisas a partir daí vieram muito ao encontro do que eu queria. No caso do Afonso Cabral e da Francisca Cortesão [que trabalharam em parceria], tivemos uma conversa e eles depois fizeram uma canção, Pressa, que na verdade tem muito a ver com o espírito do disco: que é não ter pressa, não ceder à pressão exterior, à pressão do meio, à pressão da indústria, até mesmo à pressão que o criador exerce sobre si próprio para cumprir determinadas expectativas.”
Uma nova sonoridade
Coração Na Boca é também diferente em termos de sonoridade. “O disco nasce de raiz em colaboração com o Luís Figueiredo, um músico com quem eu já tinha trabalhado, e que senti que poderia compreender aquilo que eu queria fazer em termos de sonoridade.” Isso levou a alterações nos músicos. “Mantenho a guitarra, e o Mário Delgado como elemento, que não é apenas um intérprete mas um criador, mas para além dele a banda toda mudou: decidimos ir buscar um violoncelo, que empresta uma sonoridade muito própria ao disco (a Ana Cláudia Serrão), um contrabaixo que às vezes é baixo eléctrico (o João Hasselberg) e bateria (o Joel Silva). O que eu queria é que este disco estivesse menos longe daquilo que é o meu registo ao vivo. Porque há uma entrega e uma proximidade emocional no palco que depois, com uma produção mais pop (como no Bittersweet), se esbate nas gravações.”
Sendo o disco que se afasta mais do território onde Marta Hugon se afirmou, o do jazz, ela garante que isso não constitui um corte nem uma mudança de rumo. “Eu não sinto que haja um corte, até porque, tirando o caso da violoncelista, que vem da música clássica, estou sempre a trabalhar com músicos do jazz. Os meus dois últimos discos eram muito mais discos de canções, enquanto os dois primeiros eram absolutamente discos de jazz. E este, eu quis que ele mantivesse o lado mais puro do jazz, que é, como no palco, o da criação irreplicável, no sentido de que nunca é igual. Eu sei que, na indústria, dificulta não ter um rótulo muito claro, e isso levanta problemas de comercialização. Mas um artista não se pode obrigar a catalogações, a música vem como vem e tem de ser honesta.”
Sempre ligada ao jazz
De resto, o território primordial mantém-se. “O jazz continua a ser a minha casa, continuo a ser uma cantora de jazz e procuro muitas vezes soluções de interpretação que são mais próximas do jazz do que da música pop. Tenho essa ligação, não a quero cortar, mas não sou escrava dela.” A apresentação ao vivo de Coração Na Boca está marcada para o final do ano, para o dia 12 de Dezembro, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Até lá, com a pandemia agora em fase de desconfinamento gradual, Marta Hugon procura ser positiva: “Há dias em que tudo isto parece um pesadelo e há outros em que a gente pensa: bom, tem de ser um dia de cada vez. Tenho o concerto no CCB e outros que foram adiados para o ano que vem. Não vale a pena fazer grandes planos. Preocupa-me mais a sobrevivência, minha, dos meus colegas, das pessoas que atravessam circunstâncias muito complicadas. Temos de nos manter ligados uns aos outros e procurar não ver o copo meio vazio.”