Burundi escolhe novo Presidente em clima de tensão e indiferente à covid-19
O Presidente Pierre Nkurunziza está de saída ao fim de 15 anos, mas as divisões políticas e uma profunda crise económica fazem temer um aumento da violência.
Pela primeira vez em quase 30 anos, os eleitores do Burundi vão poder escolher um Presidente em eleições com vários candidatos e sem o boicote em peso da oposição ao partido no poder. Mas os confrontos que marcaram a campanha eleitoral, antes da votação de quarta-feira, e a despreocupação das autoridades em relação à pandemia do novo coronavírus, fazem temer o aumento da violência num país que esteve mergulhado numa guerra civil entre 1993 e 2005.
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Pela primeira vez em quase 30 anos, os eleitores do Burundi vão poder escolher um Presidente em eleições com vários candidatos e sem o boicote em peso da oposição ao partido no poder. Mas os confrontos que marcaram a campanha eleitoral, antes da votação de quarta-feira, e a despreocupação das autoridades em relação à pandemia do novo coronavírus, fazem temer o aumento da violência num país que esteve mergulhado numa guerra civil entre 1993 e 2005.
O principal ponto de interesse nas eleições desta semana, que também servem para a escolha dos deputados e senadores do Parlamento do Burundi, é a transição de poder com a saída de cena do Presidente Pierre Nkurunziza, eleito pela primeira vez há 15 anos.
A sua decisão de se recandidatar, em 2015, a um terceiro mandato de cinco anos – apesar de a Constituição permitir apenas dois mandatos –, deu origem a uma nova onda de violência e perseguições que foi aproveitada pelo partido no poder, o CNDD-FDD, para reforçar o seu controlo sobre as instituições do país.
Na altura, Nkurunziza considerou que a sua primeira eleição, em 2005, não contava para o limite de mandatos porque foi determinada pelo Parlamento e não pelos cidadãos.
Em protesto contra a recandidatura de Nkurunziza em 2015, a oposição manteve-se à margem das eleições desse ano, tal como já tinha acontecido em 2010, quando houve acusações de fraude e intimidação de eleitores.
Como resultado, Pierre Nkurunziza manteve-se no poder concorrendo sozinho, em 2010, ou com adversários sem expressão na política do país, em 2015.
Aliado favorito
E a recusa de Nkurunziza a candidatar-se pela quarta vez só foi confirmada em Janeiro, com a escolha de um novo nome como candidato oficial do partido no poder. O actual Presidente anunciou em 2018 que não ia concorrer em 2020, mas nesse ano foi aprovada, em referendo, uma alteração à Constituição que abriu a porta a essa possibilidade: os mandatos presidenciais passaram a ser de sete anos, num máximo de dois, o que permitiria a Nkurunziza começar de novo um período de dois mandatos num total de 14 anos, até 2034.
O provável sucessor de Nkurunziza é um dos seus principais aliados, Evariste Ndayishimiye, secretário-geral do partido no poder e antigo combatente rebelde na guerra civil. Tido como um herói nacional pela maioria hutu do país, foi um dos sobreviventes do massacre de estudantes hutu pela minoria tutsi na Universidade do Burundi, em Junho de 1995.
O principal adversário de Ndayishimiye, e o único com alguma possibilidade de perturbar a transição de poder no país, é Agathon Rwasa, também um antigo combatente hutu na guerra civil de 1993-2005. Rwasa foi a principal figura da oposição ao Presidente Nkurunziza em 2010 e 2015, mas acabou por apelar ao boicotar de ambas as eleições.
Nos últimos cinco anos, o país viu a sua situação económica e política agravar-se ainda mais, com algumas decisões do Presidente Nkurunziza a contribuírem para um maior isolamento em relação ao resto do mundo, como o abandono do Tribunal Penal Internacional. E o Governo do país é acusado de cometer graves atentados contra os direitos humanos.
Este mês, o Burundi expulsou a equipa da Organização Mundial de Saúde que ajudava no combate à pandemia do novo coronavírus, acusando os peritos de “interferência inaceitável”.
Vários responsáveis políticos do Burundi têm dito que o reduzido número de casos de covid-19 registados no país – 23 casos e uma morte até esta segunda-feira – é um sinal divino.
Em Março, o porta-voz do Presidente Nkurunziza, Jean-Claude Karerwa Ndenzako, disse numa entrevista à BBC que o Burundi “firmou um pacto especial com Deus”.
“Como temos dito, o Burundi é uma excepção entre outras nações, porque pôs Deus em primeiro lugar, um Deus que nos guarda e nos protege de todo o infortúnio. Não é a primeira vez que o mundo é atingido por uma calamidade e o Burundi é poupado”, disse o porta-voz do actual Presidente.
Segundo a OMS, o número reduzido de casos do novo coronavírus no Burundi pode ser explicado com o facto de só terem sido feitos 520 testes até agora.