Campo vencedor anticovid 19
Testemunho de Jonuel Gonçalves, investigador convidado no ISCTE-IUL. “A mim, confinamento lembra-me um ou dois momentos da vida quando fiquei “trancado” em casas cujo localização não podia dar a quase ninguém. Eram tempos de luta contra ditaduras.”
Um arqueólogo cujo nome esqueci declarou em entrevista recente que o confinamento tem sido processo gradual no mundo, iniciado quando o ser humano se sedentarizou em volta das suas primeiras plantações e, em seguida, começou a construir cidades. Pois é, passamos dos grandes espaços em movimento constante ao espaço limitado com movimentos compassados e gestos repetidos.
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Um arqueólogo cujo nome esqueci declarou em entrevista recente que o confinamento tem sido processo gradual no mundo, iniciado quando o ser humano se sedentarizou em volta das suas primeiras plantações e, em seguida, começou a construir cidades. Pois é, passamos dos grandes espaços em movimento constante ao espaço limitado com movimentos compassados e gestos repetidos.
Vou procurar o nome do arqueólogo e, para isso, terei de encontrar o jornal da entrevista, no meio de tantos. Nunca as pessoas leram tanto como agora, daí muitas publicações aumentarem as newsletters e até facilitarem pdf’s. Quem não é reproduzido na informalidade não conta. Nova noção de “tiragem” e os publicitários estão atentos.
A mim, confinamento lembra-me um ou dois momentos da vida quando fiquei “trancado” em casas cujo localização não podia dar a quase ninguém. Eram tempos de luta contra ditaduras (foi mais que uma) e esses confinamentos em esconderijos corresponderam a fases defensivas, de escapar a perseguições provavelmente mortais, ficar vivo e solto para voltar à luta. Assim foi e no final fiz parte dos campos vencedores.
Não estou em nenhum esconderijo mas espero sair deste confinamento também no campo dos vencedores. Muito provavelmente é isso que vai acontecer e até estou com pressa de sentir mais essa vitória. No imediato, indico duas vitorias parciais, ou seja, não definitivas mas capazes de me reforçar a capacidade de resistência e nos colocar em posição de contra-ataque.
Pessoalmente, atravessei três países severamente atingidos e não senti nada, embora possa fazer parte dos assintomáticos. Oxalá que seja, como diria o Bonga, pois assintomático é promovido a imunizado.
Coletivamente, ninguém pode mais ignorar que África continua em primeiro lugar na resistência ao vírus e, por vezes, chego a sentir certa gentinha chateada com isso. Antes de meados de março ouvia “se isto já está a fazer estragos na Europa vocês vão ver a mortandade em África, não demora nada”. No fim daquele mês adiaram a trágica previsão para meados de abril, depois para fim de abril e agora passam para o longo prazo. O vírus pode espalhar-se mortalmente no continente africano até daqui a um ano. Pode sim, em África ou em qualquer outra parte do mundo, porque na verdade há detalhes capitais do vírus que ninguém conhece. Quer dizer, pode acontecer isso e pode acontecer o exatamente oposto.
Entretanto, dois meses de pandemia matou trezentas mil pessoas no mundo, das quais um pouco acima de duas mil africanas. E não venham assinalar erros de estatística porque mesmo multiplicando por dez continuava-se muito longe do número de vítimas a Norte ou, como diz uma reportagem detalhada do Libération, não se vê por nenhum lado corrida a hospitais superlotados nem, acrescento eu, funerais fora do normal.
As piores hipóteses são possíveis e as precauções são em África as mesmas da Europa, tanto quanto possível. Neste ponto pode estar uma vulnerabilidade, pois é possível muito menos. Mas, a resistência de África até aqui é motivo de estudo e avaliações. Apontam-se várias causas e muitos analistas fazem de todas elas um bloco explicativo. O clima, a média de idade no continente, as duras agressões da vida ao longo da História (ou as duras agressões da História ao longo da vida) e os anticorpos decorrentes de outras doenças.
De novo, para mim, oxalá que seja. Só a média de idade é que já ultrapassei. No mais, tirando as curtas estadias em insalubres paragens geladas, vivo em clima quente com perigosos raios ultravioletas, atravessei décadas em guerra, passei fome em certos e incertos períodos, cheguei mesmo a não ter kubico e só malária apanhei no mínimo vinte vezes. Se estas parcelas explicam a resistência africana ao covid 19, vou novamente estar no campo vencedor.
Assim, como disse um kaluanda cujo nome também vou procurar, por enquanto a luta continua e a vitória depois a gente acerta.