“O que será deles, se não estivermos lá”?
Testemunho de Dina Ribeiro, da Polícia Municipal de Matosinhos. “Houve um dia em que uma das ‘nossas’ idosas nos ligou, desesperada: ‘Meninas, as minhas pernas não param de tremer e acho que preciso de ir ao hospital.’ Deslocámo-nos de imediato à sua habitação, percebemos que se tratava de uma crise de ansiedade pelo facto de ouvirem, ela e o marido, demasiadas notícias.”
Faço parte do projeto Idosos em Segurança, tal como a minha colega Patrícia Pereira, que foi criado, em 2013, pela Polícia Municipal de Matosinhos. Se antes já fazia sentido, em tempos de covid-19 mais sentido faz.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Faço parte do projeto Idosos em Segurança, tal como a minha colega Patrícia Pereira, que foi criado, em 2013, pela Polícia Municipal de Matosinhos. Se antes já fazia sentido, em tempos de covid-19 mais sentido faz.
Idosos – uma palavra que diz tanto na sociedade em que vivemos. Estamos a falar do maior grupo de risco de infeção com covid-19 e é importante que se mantenham isolados.
Antes de mais, é preciso explicar que, antes da pandemia, os 54 idosos que integram este projeto eram visitados, pelo menos, uma vez por semana. Para saber se estavam bem, para transmitir alguns conselhos de segurança, passando também pelo auxílio, por exemplo, nas contagens de leituras de água e luz e até na articulação com as instituições que lhes prestam alguns cuidados de limpeza e higiene, quando é o caso.
Com o início do estado de emergência, tivemos de adaptar as nossas funções às necessidades crescentes. Diariamente, são feitos contactos pela dr.ª Alice Pereira, assistente social que integra esta equipa, que avalia as necessidades destas pessoas. Muitas vezes, uma simples chamada telefónica pode fazer a diferença, tanto para se manterem em casa como para sabermos quais os alimentos de que precisam, os medicamentos em falta e muitas vezes para alguns minutos de conversa, para que se sintam mais seguros.
Houve um dia em que uma das “nossas” idosas nos ligou, desesperada: “Meninas, as minhas pernas não param de tremer e acho que preciso de ir ao hospital.” Deslocámo-nos de imediato à sua habitação, em Sta. Cruz do Bispo, e, após dois dedos de conversa, percebemos que se tratava de uma crise de ansiedade pelo facto de ouvirem, ela e o marido, demasiadas notícias. Tudo acabou bem, e não foi necessária qualquer intervenção médica.
Também a Câmara Municipal de Matosinhos criou mais um “reforço”, a Linha de Apoio ao Isolamento, para que as pessoas, por razões de idade, de saúde ou de carências económicas, possam ter acesso às principais necessidades básicas. E aqui entramos também, a equipa dos Idosos em Segurança.
Todos os dias o telefone da dr.ª Alice Pereira toca vezes sem conta (os pedidos repetem-se e cada um exige uma avaliação técnica da situação de carência em que a pessoa se encontra: compra de alimentos, o pão, os medicamentos e até refeições quentes que alguns restaurantes do concelho generosamente oferecem).
Bem cedinho, e até muitas vezes no dia anterior, vemos o mail que a nossa colega assistente social enviou com o resultado de todas as avaliações realizadas no dia anterior. Às 9h, eu e a minha colega Patrícia Pereira saímos para a rua. Devidamente protegidas com máscara e luvas e já com a viatura devidamente higienizada, pomos “mãos à obra” sempre com os minutos do relógio contados, porque se, por um lado, não podemos começar muito cedo, uma vez que os idosos gostam de dormir até mais tarde, por outro, ao meio-dia, é preciso terem a alimentação necessária.
Ao terminar, resta-me desabafar que se no início da pandemia também eu tive medo, com as pernas a tremer como as daquela idosa, com o desejo de ficar em casa pelo receio de contaminar a minha família, rapidamente o meu pensamento foi preenchido pela preocupação com os “meus idosos”, que é assim que muitas vezes os trato. O que será deles, se não estivermos lá? E a coragem venceu o medo. Porque é gratificante e saímos de coração cheio quando fazemos a diferença na vida daqueles que mais necessitam.