“Isto é que é um mundo grande, caraças”

As minhas melhores experiências com a Fugas? Em viagem - até ao fim da rua, até ao fim do mundo, parafraseando a TSF.

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"A mulher olhava a paisagem com assombro, segui-lhe o olhar: os montes e vales em plena serra de Montemuro, onde nasceu e fez vida" Maria João Gala

“Isto é que é um mundo grande, caraças”. Curvada sobre a idade e o ramo de árvore carregado às costas, a mulher olhava a paisagem com assombro, segui-lhe o olhar: os montes e vales em plena serra de Montemuro, onde nasceu e fez vida. Eu e a Maria João Gala a procurarmos em Aveloso o valor do tempo. “Os vizinhos têm sempre pressa, mas ficam meia hora a conversar”: entrei em casas, sentei-me à lareira, ouvi histórias de emigração e da vida na serra; vi crianças no vaivém para a escola; visitei uma aldeia abandonada e saí com o rebanho de ovelhas (“malitas, malitas”) da dona Dina. Foram dias bons.

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“Isto é que é um mundo grande, caraças”. Curvada sobre a idade e o ramo de árvore carregado às costas, a mulher olhava a paisagem com assombro, segui-lhe o olhar: os montes e vales em plena serra de Montemuro, onde nasceu e fez vida. Eu e a Maria João Gala a procurarmos em Aveloso o valor do tempo. “Os vizinhos têm sempre pressa, mas ficam meia hora a conversar”: entrei em casas, sentei-me à lareira, ouvi histórias de emigração e da vida na serra; vi crianças no vaivém para a escola; visitei uma aldeia abandonada e saí com o rebanho de ovelhas (“malitas, malitas”) da dona Dina. Foram dias bons.

Uns meses antes desse Inverno de 2015, também num topo de uma montanha: Machu Picchu diante de mim. Uma multidão de turistas como eu, à procura da melhor vista, da melhor fotografia - mas foi só minha aquela misteriosa cidade inca. E a Lima que “ganhei” à custa de uma tempestade que nos encerrou um dia inteiro num aeroporto na selva amazónica do Peru - à segunda, e improvisada, vez, o clique que faltava.

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Enrique Castro-Mendivil/Reuters

As minhas melhores experiências com a Fugas? Em viagem - até ao fim da rua, até ao fim do mundo, parafraseando a TSF. Com sorte, volto com histórias para a Fugas - e memórias minhas.

Cheguei à Colômbia de olhos postos em Cartagena das Índias, a aristocrata cidade colonial, mas fui imediatamente arrebatada por Bogotá, a cidade desordenada, caótica, feia por vezes. Meia-noite, um dia em viagem, mas, com o Paulo Pimenta, não resisti ao frémito das ruas. Terminámos numa festa de aniversário, salsas, cumbias, vallenatos llorones ao alto e introdução ao antioqueño -  a minha Colômbia construiu-se ali.

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Paulo Pimenta

O “meu” Egipto era arqueologia, mas são as noites iluminadas por luzes e música que mais recordo. No Cairo e num cruzeiro pelo Nilo (com direito a mergulhos improvisados, roupa e tudo) onde as margens ganham vida depois dos pores do sol mais bonitos que vi. Não esqueço o olhar meigo da avó para a neta de olhos verde-água cobiçados pelas fotografias, nem da família que, na Praça Tahir, pediu para eu me juntar numa foto: das mulheres, apenas vi os olhos.

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NIK WHEELER/GETTY IMAGES

Essa nunca recebi, como recebi algumas feitas na Índia, durante o primeiro cruzeiro que fiz, com o Adriano Miranda (reflexão em contexto de pandemia: Dubai-Omã-Índia são vários espectros do “distanciamento social”). Pensava que ia ser a fotógrafa, afinal queriam fotos comigo - somos todos exóticos em algum lado. Percebi-o entre Goa, ainda um fado tropical, onde Portugal transcende as pedras para me comover numa camisola do FC Porto ou num português que se resgata, hesitante, à memória, e Bombaim, a experiência alucinante no tuk-tuk esburacado, nas árvores onde vive gente, na massa humana sufocante.

Nunca pensei ir à Índia e nunca conheci o Alentejo tão bem como com a Fugas. Lá, puseram-me, e ao Nelson Garrido, a olhar para as estrelas. Depois, desenharia o litoral e comeria o interior - nessa série de reportagens de Verão, com o Bruno Castanheiro e o Nuno Mendes, descobri ainda um Algarve formoso; desci o Tejo, do castelo de Almourol até aos mouchões, segui até ao mar do Forte de Peniche e das Berlengas. Muita coisa linda. E muito país em ruínas, “a fechar”.

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Nelson Garrido

Porém, na serra da Estrela, nos dias mais quentes doutro Verão, eu e o Nelson Garrido encontrámos os que lá vivem, trabalham, se confundem com as paisagens e só vão às praias ao fim-de-semana. Aqui não houve mergulhos que nas paragens mais setentrionais do país sobejaram à boleia do rafting e do canyoning (a primeira vez não se esquece) - mas depois descansei, num cenário místico e primevo, na Peneda.

Outra serra, onde pode caber o mundo, como percebi em Aveloso. Outra serra, onde reaprendo, regularmente, a ver o mundo.

Andreia Marques Pereira é jornalista desde 2000. Colabora com a Fugas desde 2008.