Luísa Moreira (1974-2020), de Vila do Conde: a alegria
O teatro é feito de pessoas assim, discretas, teimosas, dignas. E a Luísa Moreira foi das melhores. Directora de cena do Rivoli Teatro Municipal, directora de produção do Teatro Helena Sá e Costa, fundadora do Instituto Nacional das Artes Circenses: morreu uma activista das artes performativas.
Era de Vila do Conde, ali onde começa o Minho, a Luísa Moreira que agora morreu (1974-2020).
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Era de Vila do Conde, ali onde começa o Minho, a Luísa Moreira que agora morreu (1974-2020).
Conheci-a no Rivoli, era a muito novinha directora de cena do Coriolano de Shakespeare que a Isabel Alves Costa produzia para a abertura daquela sala que sonhou municipal.
Era de Vila do Conde e guardava um leve sotaque desse Minho da minha infância.
Extraordinária trabalhadora, fantástica a cumprir as tarefas, exigente, curiosa, ávida, ficámos amigos desde então. Foi em 1998. Nem eu sabia que ela militava pelo PSR, assinava o Combate para onde escrevi, nunca me disse, era uma “técnica de palco” e resguardava-se. Depois, com os inúmeros disparates municipais de Rui Rio-Filipe La Féria, ela perdeu o lugar no Rivoli, meteu-se a caminho, foi para França, voltou à Póvoa, batalhadora, organizou aquilo de que mais gostava, o circo, comprou uma tenda, participou noutras iniciativas, íamos tendo notícias dela, activa, teimosa, irremediavelmente alegre. Ainda a reencontrei a trabalhar na ESMAE — mas não estava feliz e acabou por sair depois da morte do Francisco Beja, magoada nunca me contou por que razão. Íamos falando por email. Muito espaçadamente. Mas quase de hora a hora nos momentos difíceis para todos, por exemplo, quando, no Porto, ela se meteu na contestação às decisões da Secretaria de Estado nessa altura (e infelizmente) ocupada por Miguel Honrado. Falámos, escrevemos, trocámos ideias, mandámos abraços, fomos amigos. A Luísa gostava de discutir. Nem sempre concordávamos, eu gostava de com ela ir acertando tácticas, estratégias e comunicados sem rebuços nem cálculos, como amigos, gente crescida e franca.
Um dia mandou-me um email: “Tenho um tumor no cérebro, estou tão triste.” Foi há quê? Três anos?
Ainda nos encontrámos na vizinha Póvoa de Varzim diante do Teatro Garrett, nós a fazer Do Alto da Ponte, de Arthur Miller, ela com aquela cor tremenda das quimioterapias —mas rindo como ela sabia e dizendo que estava a correr bem. Foi na noite de 1 de Dezembro de 2018. E no final ela deu-me um grande abraço. E rimos.
Este ano, em 4 de Janeiro, voltámos à Povoa, mas não ousei perguntar por ela, ninguém se lhe referiu, ainda lanchei com o nosso comum amigo (o Fenando Nunes, a quem chamamos o “Poveiro”, pelos Açores), nada me disse, percebi que estaria no fim.
Foi agora.
O teatro é feito de pessoas assim, discretas, teimosas, dignas. E a Luísa Moreira foi das melhores.
Quem não se lembra do seu riso? Sim, a Luísa Moreira foi a Alegria.