No país dos matraquilhos
O Governo regateia apoios a empresas e trabalhadores independentes, aperta os cordões à bolsa nos apoios sociais, nega subsídios de risco a quem está na linha da frente, mas à banca continua a entregar os milhões de bandeja. Não estamos todos no mesmo barco.
Tudo está bem quando acaba bem? Não se engane, esta crise política foi apenas uma encenação para nos distrairmos do essencial. Enquanto nos dão a entender que podemos respirar fundo, que depois da tempestade veio a bonança, foram mais 850 milhões de euros nossos parar aos cofres do Novo Banco. Mais uma vez, o prémio sai à banca à custa de cada um de nós.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Tudo está bem quando acaba bem? Não se engane, esta crise política foi apenas uma encenação para nos distrairmos do essencial. Enquanto nos dão a entender que podemos respirar fundo, que depois da tempestade veio a bonança, foram mais 850 milhões de euros nossos parar aos cofres do Novo Banco. Mais uma vez, o prémio sai à banca à custa de cada um de nós.
O compromisso político era inequívoco: “Até haver resultados da auditoria não haverá qualquer reforço do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução para esse fim.” Esta foi a frase de António Costa em resposta ao Bloco de Esquerda quando questionado se iria continuar a aceitar meter dinheiro no Novo Banco.
A questão não era menor. Sempre nos prometeram que não haveria custos para os contribuintes com o BES e o Novo Banco, mas a realidade mostrou como isso era um enorme embuste. Até 2015, a resolução que PSD e CDS garantiam não ter custos levou 3900 milhões de euros dos cofres do Estado. Depois, a venda do Novo Banco que António Costa jurava não ter encargos significou um rombo de 2130 milhões de euros. São promessas dolorosas para os cofres públicos. Juram com uma mão no peito e a outra no nosso bolso.
O Novo Banco foi vendido em 2017 à Lone Star, um fundo abutre que viu no negócio uma boa fonte de especulação. A venda foi acompanhada de um mecanismo de capital contingente, uma espécie de garantia pública sobre os créditos duvidosos. A gestão destes ativos tóxicos poderia levar à injeção de capital público, coisa que o Governo garantia ser difícil de acontecer. Como a realidade tem demonstrado, esta escolha foi ruinosa para os cofres públicos. O Estado paga mas não manda e no final a Lone Star terá um banco limpinho para vender.
A um mau negócio junta-se uma gestão muito questionável. Há suspeitas da venda de créditos abaixo do seu valor a entidades relacionadas com o fundo Lone Star, imputando os prejuízos depois para o tal mecanismo de capital contingente, isto é, aos cofres públicos. Foi com esta suspeição que surgiu a necessidade da auditoria à gestão do Novo Banco e às necessidades de injeção de capital.
As suspeitas são incontornáveis e mesmo os defensores desta venda desastrosa, como o Presidente da República ou o primeiro-ministro, exigiram essa auditoria. O Ministério das Finanças escreveu que “o valor expressivo das chamadas de capital em 2018 e 2019 [1,9 mil milhões de euros] tornava indispensável a realização de uma auditoria para o escrutínio do processo de concessão dos créditos incluídos no mecanismo de capital contingente” e acompanhou esse coro. Contudo, não esperou pelo seu resultado para despejar mais 850 milhões de euros públicos nos cofres do Novo Banco.
Mário Centeno diz que foi um problema de comunicação que justifica o desentendimento com António Costa mas não consegue explicar porque não podia esperar umas semanas até que a auditoria fosse concluída. Aqui está a origem da suposta crise política. O resto resume-se rápido: Costa dá a mão a Marcelo para que este tire o tapete a Centeno. Como a divergência não era de fundo – nenhum deles questiona a injeção de dinheiro no Novo Banco porque isso significaria questionar a própria venda –, a questão passou a ser de calendário. A crise política tinha pés de barro e por isso rapidamente se sanou, apenas com mais um problema de comunicação de Centeno, desta feita com o Presidente da República.
Centeno não sai mas também não fica, é uma espécie de antecâmara para o tão desejado cargo de governador do Banco de Portugal. O mal estar no seio do Governo não fica mas também não sai, é uma espécie de paz podre onde se decidirão as respostas mais importantes para a saída da enorme crise que enfrentamos. E, no meio disto tudo, centenas de milhões que podiam ajudar a responder à crise já foram parar aos cofres do Novo Banco.
O Governo regateia apoios a empresas e trabalhadores independentes, aperta os cordões à bolsa nos apoios sociais, nega subsídios de risco a quem está na linha da frente, mas à banca continua a entregar os milhões de bandeja. Não estamos todos no mesmo barco.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico