Comissão criada por Embaló para rever Constituição “é inconstitucional”, diz Jorge Miranda
“Eu critico o Presidente” da Guiné-Bissau “que tem de respeitar a Constituição antes de mais nada”, diz ao PÚBLICO o constitucionalista português, apanhado de surpresa por uma notícia falsa em que aparecia a defender o contrário.
O constitucionalista português Jorge Miranda considera que a comissão criada pelo Presidente guineense para rever a Constituição é “inconstitucional”. Miranda, que participou na elaboração da Constituição da Guiné-Bissau, acusa Umaro Sissoco Embaló de estar a agir à margem da Constituição, ao demitir o Governo eleito e agora a querer liderar o processo de revisão constitucional que é da exclusiva competência do Parlamento e dos deputados.
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O constitucionalista português Jorge Miranda considera que a comissão criada pelo Presidente guineense para rever a Constituição é “inconstitucional”. Miranda, que participou na elaboração da Constituição da Guiné-Bissau, acusa Umaro Sissoco Embaló de estar a agir à margem da Constituição, ao demitir o Governo eleito e agora a querer liderar o processo de revisão constitucional que é da exclusiva competência do Parlamento e dos deputados.
Umaro Sissoco Embaló "tem de respeitar a Constituição antes de mais nada e a maioria parlamentar que não é coincidente com a maioria que o elegeu”, afirmou Jorge Miranda ao PÚBLICO, negando que alguma vez tenha prestado declarações em sentido contrário, como dá a entender uma notícia falsa que começou a circular esta sexta-feira na Guiné-Bissau.
“Nunca defendi nenhuma proposta constitucional na Guiné-Bissau”, garantiu. “Não sei como apareceu essa ideia”.
A imagem falsa, com o logótipo do jornal PÚBLICO e uma fotografia de Jorge Miranda, partilhada pelo blogue Fala de Papagaio, mostra uma entrevista forjada com este a defender que a proposta de Embaló é “legal e legítima” e que “se não houver vontade por parte do poder legislativo para tal revisão, o Presidente da República pode tomar a iniciativa baseado nos seus poderes discricionários”.
Na verdade, o constitucionalista tem precisamente a opinião contrária sobre a crise política que se vive no país africano. “O que eu critico é o Presidente”, afirma Miranda. “Foi eleito sem ter havido uma pronunciação do Tribunal Constitucional [Supremo Tribunal], tomou posse e demitiu o Governo. Agora quer criar uma comissão de revisão constitucional, isso é que é inconstitucional. É inconstitucional a atitude do Presidente”, afirma Jorge Miranda.
Para o professor de Direito que particiou na elaboração da carta magna da Guiné-Bissau, a Assembleia Nacional Popular tem uma maioria que apoia o Governo de Aristides Gomes, demitido por Sissoco Embaló, e que a atitude do chefe de Estado está a pôr em perigo o país.
“A Guiné-Bissau tem uma Constituição que estabelece um sistema semi-presidencial e é esse sistema que deve ser respeitado e deve funcionar, tal como funciona em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe”, afirma, antes de alertar que “quando há tendência presidencialista ou presidencializante, como já aconteceu mais que uma vez no país, há o gravíssimo perigo de entrar em convulsões, numa crise da democracia, até em conflitos militares”.
Em causa está o anúncio e decreto assinado pelo Presidente sobre a criação de uma comissão técnica para proceder a uma revisão constitucional, uma vez que essa prerrogativa não compete ao chefe de Estado, mas sim aos deputados, como dita o artigo 127.º da Constituição. Ou seja, Umaro Sissoco Embaló não tem poder para alterar a lei fundamental e, ao fazê-lo, alerta a Liga Guineense de Direitos Humanos, está a ir contra o princípio da separação de poderes. Mas a revisão constitucional, submetida a referendo até ao final do ano, é uma exigência da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
A Guiné-Bissau está envolta numa crise desde a segunda volta das presidenciais, a 29 de Dezembro de 2019, quando Sissoco Embaló ganhou as eleições, de acordo com a Comissão Nacional de Eleições e a CEDAO, mas cujo resultado foi contestado pelo candidato do PAIGC, Domingos Simões Pereira, que pediu recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, que detém as funções atribuídas aos tribunais constitucionais.
Embaló tomou posse com o apoio do aparelho militar, que ocupou os edifícios públicos - o Governo em funções foi impedido de continuar a trabalhar - tendo a CEDEAO num primeiro momento considerado que se tratava de um “golpe de Estado”. Sissoco Embaló já afirmou querer antecipar as eleições legislativas, mas a CEDEAO deu-lhe um prazo até 22 de Maio para que tome posse um executivo assente na maioria parlamentar.