Mais um dia nesta nova normalidade
Maria Salazar é coronel e médica da Direcção de Saúde Militar, no Estado Maior General das Forças Armadas
Desde o dia 13 de março que a minha atividade na Dirsam – Direção de Saúde Militar no Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) se modificou por completo. De um momento para o outro, ficava suspensa uma série de assuntos que até então via como urgentes. Um novo protagonista, o SARS-Cov-2, ameaçava um tsunami de covid-19 com possível colapso dos sistemas de saúde.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Desde o dia 13 de março que a minha atividade na Dirsam – Direção de Saúde Militar no Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) se modificou por completo. De um momento para o outro, ficava suspensa uma série de assuntos que até então via como urgentes. Um novo protagonista, o SARS-Cov-2, ameaçava um tsunami de covid-19 com possível colapso dos sistemas de saúde.
Como mais um elemento da Task Force Covid-19 do EMGFA, passei a estudar o que se tinha passado na China, mas principalmente o que se estava a passar em Itália e Espanha, pois teria de dar o meu contributo na complexa tarefa de planificação que este grupo de trabalho tinha em mãos: a preparação e coordenação da colaboração das Forças Armadas com a sociedade civil.
Fazer parte deste esforço conjunto de preparação para a tão temida chegada da onda de covid-19 seria, para mim, médica militar de perfil hospitalar, habituada a estar na linha da frente com os doentes, um desafio novo e complexo.
Muitas foram as ações preparadas. Uma das ações com que colaborei consistia em preparar um grande número de camas em unidades militares espalhadas por todo o território nacional, para receber, do Sistema Nacional de Saúde (SNS), utentes com covid que não necessitassem de cuidados hospitalares.
Tudo ficou preparado, mas sabíamos que teríamos de ter capacidade para adaptar e modificar o que tínhamos organizado, pois ninguém sabia quais seriam as verdadeiras necessidades do país.
Com a evolução da onda de covid-19 em Portugal, fomos vendo o efeito benéfico do confinamento precoce e a capacidade de resposta do SNS parecia adequada às necessidades. Havia, no entanto, uma nova preocupação, que já se vinha a anunciar em Espanha: a segurança, ou a falta dela, nos lares para idosos. Numa noite de desespero, a 23 de março, o Hospital das Forças Armadas, Polo do Porto, revelou-se como “tábua de salvação” para dois lares de Vila Nova de Famalicão e Vila Real, ao receber 40 idosos infectados. Bem diferente do que estava planeado para esta estrutura: ser uma retaguarda “livre de covid” para o SNS.
Nesta procura de antever as necessidades da sociedade civil, especialmente preocupada com os idosos, surgiu a vontade de poder fazer algo por um grupo especial de idosos, os idosos da família militar. Propusemos, em conjunto com o Centro de Epidemiologia e Intervenção Preventiva, sob a forma de um projeto no âmbito da pandemia de covid-19, para um dos centro de acolhimento social (CAS), estrutura do Instituto e Ação Social das Forças Armadas, analisar a situação atual e colaborar com a criação de uma “nova normalidade” em que seria possível conviver com segurança e sem receios num lar, mesmo tendo residentes em isolamento social ou profilático.
O projeto do CAS Runa começou e decorreu de forma intensa ao longo de uma semana, contando também com o apoio de estruturas como o Hospital das Forças Armadas e o Laboratório Militar: foram testados quase uma centena de residentes e todos os funcionários, analisado o plano de contingência, analisados e verificados circuitos de limpos/sujos e áreas de isolamento, feitas formações aos funcionários, treinados os famosos EPI (equipamentos de proteção individual) – a escolha adequada, saber como e quando colocar e como e quando retirar, implementadas novas rotinas...
Chegámos ao fim desta semana satisfeitos por ver que este projeto fez a diferença para “a família CAS Runa”, que agora talvez esteja ainda mais segura; por vermos como a direção e o pessoal do CAS Runa estavam globalmente bem preparados, mas com vontade de melhorar e recetivos a sugestões; como alguns funcionários tinham receios que agora esclareceram; como toda a dinâmica de residentes em isolamento passou a ser algo rotineiro; como os residentes perceberam que há novas regras a cumprir para a segurança de todos.
Têm sido semanas de sete dias, de intensa atividade, longe das nossas famílias, isoladas em quarentena, mas com a satisfação de um contributo útil, para esta nova normalidade.