Argumentos que suportam o cancelamento das atividades letivas presenciais
Justificarão os exames pôr em causa a saúde pública? Antecipamos já que aulas presenciais, não.
A covid-19 é uma doença grave, muito prevalente, a nível nacional e internacional, com uma incidência decrescente entre nós (mas elevada noutros países) e que tem reflexos negativos ao nível individual, familiar, na sociedade e na economia, de uma dimensão sem precedentes. É uma doença contagiosa, para a qual não há vacina, e cuja taxa de infeção, entre nós, é ainda elevada. O risco de contágio aumenta com a circulação de pessoas, ou seja, com o desconfinamento.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A covid-19 é uma doença grave, muito prevalente, a nível nacional e internacional, com uma incidência decrescente entre nós (mas elevada noutros países) e que tem reflexos negativos ao nível individual, familiar, na sociedade e na economia, de uma dimensão sem precedentes. É uma doença contagiosa, para a qual não há vacina, e cuja taxa de infeção, entre nós, é ainda elevada. O risco de contágio aumenta com a circulação de pessoas, ou seja, com o desconfinamento.
Pressionado pelo peso que os exames têm na vida académica dos alunos, o Ministério da Educação (ME) anunciou o regresso às aulas presenciais, no próximo dia 18 de maio, dos alunos do 11.º e 12.º ano. Justificarão os exames pôr em causa a saúde pública? Antecipamos já que aulas presenciais, não.
Apresentaremos de seguida argumentos de vária ordem para justificar a nossa convicção de que as aulas presenciais não deviam prosseguir, durante este ano letivo.
Argumentos de saúde pública
Embora o ME tenha um plano de contingência para a abertura das escolas, que implica, entre outras, a adoção de medidas como o uso de máscara, a colocação de dispensadores de gel, a redução do número de alunos por sala, a distância mínima de 1,5 m (o que está aquém da distância dita de segurança), entre outras medidas, a verdade é que o risco de contágio ainda é elevado. O fator ‘R’, que permite avaliar o grau de contágio da epidemia, é em algumas regiões do país elevado, por exemplo, em Lisboa, de acordo com os últimos cálculos efetuados pelo Instituto Dr. Ricardo Jorge.
Pode admitir-se que as escolas tomem todas as medidas para reduzir o risco de contágio, mas este persiste durante todo o trajeto do aluno até à escola, sobretudo nos transportes públicos. É preciso ter em conta que muitos alunos é o meio de transporte que utilizam para se deslocar para a escola (autocarros, metro, barco, etc.). Um aluno contagiado obrigará a quarentena por parte dos colegas, dos professores da turma, eventualmente da família e, em última instância, de todos aqueles com quem estabeleceu contacto próximo.
Esta situação vai criar a interrupção na assistência às aulas por parte de muitos alunos, enquanto outros irão prosseguir, criando-se uma situação de profunda desigualdade.
Argumentos de natureza económica
A implementação do plano de contingência para reduzir o risco de infeção é caro. A aquisição de máscaras, gel, desinfeção das escolas, entre outras medidas, tem um custo económico muito elevado. Tem ainda custos para o pessoal auxiliar, provocando-lhes um enorme desgaste físico e emocional. Estes recursos podiam ficar reservados para o caso da ocorrência de novo surto, previsível para o próximo ano letivo.
Argumentos de natureza pedagógica
Num estudo quantitativo com a participação de 114 professores de Biologia e Geologia, a lecionar no distrito de Braga, realizado por Lopes e Precioso, em 2020, verificou-se que 71% dos docentes considera que o insucesso, no exame e na disciplina de Biologia e Geologia, está relacionado com facto de o programa da disciplina ser demasiado extenso. Ora se o programa é extenso, então, já se devia ter decretado um programa mínimo e os alunos estariam nesta altura a fazer revisões. Por outro lado, no caso dos exames que se realizam no 11.º ano, está lecionado o programa do 10.º e 2/3 do programa do 11.º ano. No caso dos exames que se realizam no 12.º ano, está lecionado o programa do 10.º ano, do 11.º ano e 2/3 do programa do 12.º ano. Não é já matéria suficiente? Não será mais importante consolidar e reforçar as aprendizagens e aproveitar para trabalhar as dificuldades detetadas?
Outro argumento é o de que os professores e os alunos investiram muito do seu tempo a desenvolver o ensino a distância, que estava, tanto quanto se sabe, a correr razoavelmente bem, e agora vão regressar à escola, em condições emocionais muito adversas. Podiam continuar com este regime não presencial, e aprender a utilizá-lo, pois será, por certo, uma necessidade no futuro, mesmo na ausência da pandemia.
Argumentos de natureza psicológica
Num estudo sobre Conhecimentos, Opiniões e Comportamentos dos estudantes portugueses do ensino secundários sobre a pandemia covid-19, realizado por Regina Alves e José Precioso, em maio de 2020, em que se aplicou um questionário anónimo e em formato online a uma amostra de conveniência constituída por 979 estudantes do Ensino Secundário (28,7% – 10.º ano; 39,8% – 11.º ano; 31,5% – 12.º ano), verificou-se que quando confrontados com a questão “Sinto-me inseguro/a se tiver que ir para a escola”, a maioria dos/as alunos/as (58,5%) indicou concordar ou concordar totalmente com a afirmação. No mesmo sentido, 68,2% dos estudantes sinalizou ter receio de contrair o vírus, mas um receio ainda maior que algum familiar ou amigo/a o possa contrair (89,3%), revelando, desta forma, consciência face aos perigos da pandemia (93,1%).
A maioria dos estudantes concorda ou concorda totalmente com o término das aulas presenciais (55,4%) e discorda ou discorda totalmente com o recomeço das aulas práticas presenciais (58,7%).
Por todos estes motivos, sugerimos o seguinte.
- Cancelem-se todas as atividades letivas presenciais do 3.º período.
- Defina-se um programa mínimo a ser avaliado por exame.
- O Ministério da Educação devia aproveitar para repensar muito bem todo o processo de ingresso no ensino superior. Nada disto aconteceria se houvesse confiança no sistema. Países como Espanha e França utilizaram as classificações internas para selecionar os alunos que irão entrar nas universidades.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico