Concelhos com maior desigualdade têm mais casos de covid-19. Pobres são os que perdem mais rendimento

Uma em cada quatro das pessoas que ganham menos de 650 euros mensais diz ter perdido totalmente o rendimento, enquanto no conjunto dos que ganham mais 2500 euros isso aconteceu apenas em 6% dos casos.

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Daniel Rocha

Os concelhos com maiores taxas de desemprego e maiores desigualdades de rendimento são aqueles que têm maior número acumulado de casos de covid-19. A doença “não se apresenta como uma ameaça igual para todos”, sublinham os autores do Barómetro Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), que foram olhar para a distribuição de casos confirmados pelos 308 concelhos do país para concluírem que a infecção pelo novo coronavírus parece ser “marcadamente desigual”, afectando de forma mais acentuada os concelhos com “um perfil sócio-económico mais precário”.

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Os concelhos com maiores taxas de desemprego e maiores desigualdades de rendimento são aqueles que têm maior número acumulado de casos de covid-19. A doença “não se apresenta como uma ameaça igual para todos”, sublinham os autores do Barómetro Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), que foram olhar para a distribuição de casos confirmados pelos 308 concelhos do país para concluírem que a infecção pelo novo coronavírus parece ser “marcadamente desigual”, afectando de forma mais acentuada os concelhos com “um perfil sócio-económico mais precário”.

São também os grupos mais vulneráveis da população os que estão já a ser mais afectados devido às consequências económicas do confinamento, como o desemprego ou a redução do rendimento, indicam por outro lado os resultados do questionário a quatro mil pessoas feito pela ENSP no âmbito deste barómetro e que em cada semana acompanha a percepção dos portugueses em tempos de pandemia.

Uma em cada quatro das pessoas inquiridas e que ganham menos de 650 euros mensais (considerando o agregado familiar) diz ter perdido totalmente o seu rendimento, enquanto nas categorias de rendimentos superiores a 2500 euros isso aconteceu apenas em 6% dos casos. “É preocupante. É até chocante”, considera Joana Alves, investigadora da ENSP. No total, 14% das pessoas inquiridas responde que perdeu totalmente o seu rendimento, um terço perdeu parcialmente e mais de metade admite que não perdeu rendimento.

O fenómeno das desigualdades pode “exacerbar as vulnerabilidades” previamente existentes, ou seja, as consequências podem revelar-se mais negativas para pessoas em situação à partida mais precária, avisam peritos que assinam o estudo Quando a pandemia não é igual para todos. Para esta análise foi levada em conta a contribuição de factores sócio-económicos e de acesso aos serviços de saúde no número de casos de covid-19 registados até 30 de Abril. Os resultados preliminares indicam, por um lado, que é nos concelhos com maior densidade populacional que existe uma maior incidência acumulada de casos e, por outro, que é nos concelhos com menor taxa de desemprego, maior média de rendimento e menor desigualdade de rendimento (medida pelo índice de Gini) que é menor o número acumulado de casos.

As explicações para estes resultados são várias. Já se sabe que “a saúde piora a cada degrau que se desce na hierarquia” social, notam os investigadores. A pandemia de covid-19 não será excepção. Desde logo, as condições sócio-económicas podem ter uma influência significativa no risco de infecção, mas o mesmo pode acontecer no diagnóstico, no tratamento e até na sobrevivência.

A mera falta de compreensão sobre a forma como se propaga a doença pode à partida  “dificultar a adopção das medidas propostas para combater a pandemia”, tal como a avaliação da necessidade de distanciamento social “pode ser comprometida por um menor nível de literacia”, observam. De igual forma, a precariedade no trabalho, a remuneração baixa e a dificuldade de acesso a apoios sociais podem “impedir que as pessoas se resguardem mais nas suas habitações para se protegerem do vírus”.

“Há pessoas que não podem estar em teletrabalho e que, portanto, estão mais expostas aos riscos de transmissão”, enfatiza Joana Alves. Este risco também aumenta quando as condições de vida são piores, quando as pessoas” vivem em bairros onde existe uma maior densidade populacional e utilizam transportes públicos mais lotados”, acrescenta.

O acesso aos cuidados de saúde pode estar igualmente a influenciar o número de casos confirmados, porque a maior acessibilidade aos serviços de saúde pode significar também um maior número de testes efectuados, enfatizam, notando que os concelhos com mais médicos por mil habitantes têm também mais casos.

Mas este não é um fenómeno nacional, frisam os investigadores da ENSP. Numa análise centrada em apenas dois dos indicadores de desigualdades universais – o desemprego e o índice de Gini – a maior incidência acumulada de casos por 100 mil habitantes surge associada a países com maior taxa de desemprego e desigualdade de rendimento. No quarto lugar em termos de maior desigualdade no conjunto dos 15 países analisados, Portugal aparece no meio da tabela no número de casos acumulados de covid-19.