O estranho caso dos 850 milhões para o Novo Banco
Um primeiro-ministro que mostra no Parlamento desconhecer que o seu Governo tinha avançado com um empréstimo de 850 milhões de euros para acudir aos buracos de um banco não é uma situação normal.
O primeiro-ministro habituou-nos a ser fiável na memória e capaz no conhecimento em sucessivas entrevistas, prestações parlamentares ou em conferências de imprensa, como as que fez durante a pandemia. Custa por isso entender o que esteve na origem do desconhecimento que revelou sobre o processo Novo Banco esta semana na Assembleia. Se fosse um detalhe num gasto com uma ribeira em Alverca, percebia-se. Se em causa estivesse uma alínea de uma medida para a pecuária, aceitava-se. O que se passou, porém, é de tal gravidade que constitui um dos maiores erros políticos de António Costa em anos. Um primeiro-ministro que mostra no Parlamento desconhecer que o seu Governo tinha avançado com um empréstimo de 850 milhões de euros para acudir aos buracos de um banco não é uma situação normal. Expõe um descontrolo que a crise da covid-19 não justifica ou a existência de correntes subterrâneas no Governo que nenhum chefe pode tolerar.
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O primeiro-ministro habituou-nos a ser fiável na memória e capaz no conhecimento em sucessivas entrevistas, prestações parlamentares ou em conferências de imprensa, como as que fez durante a pandemia. Custa por isso entender o que esteve na origem do desconhecimento que revelou sobre o processo Novo Banco esta semana na Assembleia. Se fosse um detalhe num gasto com uma ribeira em Alverca, percebia-se. Se em causa estivesse uma alínea de uma medida para a pecuária, aceitava-se. O que se passou, porém, é de tal gravidade que constitui um dos maiores erros políticos de António Costa em anos. Um primeiro-ministro que mostra no Parlamento desconhecer que o seu Governo tinha avançado com um empréstimo de 850 milhões de euros para acudir aos buracos de um banco não é uma situação normal. Expõe um descontrolo que a crise da covid-19 não justifica ou a existência de correntes subterrâneas no Governo que nenhum chefe pode tolerar.
A sensibilidade política a mais uma prestação para cobrir novas perdas do Novo Banco é extrema. O Bloco e o PCP fazem do escrutínio desse processo um filet mignon suculento e interminável. Mesmo sabendo que no final do dia o Estado teria de conceder um novo empréstimo para o Fundo de Resolução salvar o banco, mesmo tendo-o prevenido com uma dotação de 600 milhões no Orçamento, António Costa tratou de se resguardar, dizendo na Assembleia no dia 22 de Abril que estava à espera dos resultados de uma auditoria para tomar “decisões fundamentais”. Ao dizê-lo publicamente, o primeiro-ministro vinculou-se a si e ao seu Governo. Ao reiterá-lo, esta quinta-feira, voltou a sugerir que, politicamente, tinha tudo sob controlo. Horas depois, o Expresso mostrou que o empréstimo tinha sido feito sem que o primeiro-ministro soubesse. O próprio António Costa admitiu que “não tinha sido informado”.
Há em toda esta história elementos de um filme policial. Mas afastemos narrativas suspeitosas e cinjamo-nos aos factos: ou as Finanças não sabiam que o empréstimo dependia da auditoria; ou sabiam e esqueceram. Fosse o que fosse, desconhecimento, descoordenação ou falta de dever de lealdade, o que é indiscutível é que o primeiro-ministro se estatelou no Parlamento e teve de fazer um pedido de desculpas a Catarina Martins. Se a gestão da pandemia tinha promovido António Costa, este episódio é uma nódoa no seu currículo; se Mário Centeno estava de novo com um pé fora do Governo, agora fica com os dois. Um empréstimo de 850 milhões a um banco problemático, feito à revelia das condições anunciadas pelo primeiro-ministro, não pode passar sem consequências.