Emergência médica em teletrabalho? É possível
Testemunho de Maria João Rolão, técnica de emergência pré-hospitalar, INEM. “Comecei a trabalhar no CODU do INEM em 2004, mas foi neste primeiro turno em casa que me deparei com um nervosismo que não sentia desde o meu estágio. Respirei fundo...”
Quando me propuseram integrar o projeto-piloto de teletrabalho para o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), aceitei de imediato. Mas, sou sincera, a única coisa que pensei foi... “isto é mesmo possível?!”
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Quando me propuseram integrar o projeto-piloto de teletrabalho para o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), aceitei de imediato. Mas, sou sincera, a única coisa que pensei foi... “isto é mesmo possível?!”
Não que eu perceba alguma coisa de informática ou tecnologia, mas fazer emergência médica em teletrabalho não é simplesmente ligar uma rede VPN. É permitir que eu receba, em minha casa, chamadas de emergência médica de pessoas que precisam de ajuda imediata, de norte a sul do país. É interagir com os médicos e colegas dos vários CODU do INEM. É todo o sistema de rede e de suporte à nossa atividade, a aplicação telefónica que envolve, e todas as outras tecnologias que serão necessárias e que me passarão ao lado, por ignorância.
O que era, para mim, impossível, aconteceu. Chegou o meu primeiro turno em teletrabalho. O projeto-piloto passou muito rapidamente do papel e, quando dei por mim, tinha o meu posto de trabalho em casa completamente operacional e preparado para que pudesse, a partir daqui, continuar a cumprir a minha missão.
Comecei a trabalhar no CODU do INEM em 2004, mas foi neste primeiro turno em casa que me deparei com um nervosismo que não sentia desde o meu estágio. Respirei fundo...
O silêncio é bom, não digo o contrário. Mas estava habituada a turnos de grande agitação, ruído constante, dezenas de telefones a tocar, situações várias de stress a acontecer ao mesmo tempo, viver as chamadas dos outros colegas, olhar para os seus rostos, partilhar histórias.
Em teletrabalho, só vivemos as nossas chamadas. Somos só nós e a pessoa que precisa de nós.
Antes de ser técnica de emergência pré-hospitalar, sou humana. Também tenho os meus medos e fragilidades. Vivemos diariamente a desgraça alheia. A dor dos outros. A minha casa é o meu porto seguro, mas agora partilho-a com as pessoas que tento ajudar.
Trabalhar no INEM tem-me ensinado muitas coisas. Mas ensinou, sobretudo, que a saúde é o bem mais precioso que temos na vida. Muitas vezes só nos apercebemos disso quando nos vemos incapacitados ou temos alguém que amamos doente ou preso a uma cama de hospital. Parece que só quando chega até nós ‘cai a ficha’. Tenho vindo a aprender ao longo dos anos, e a profissão tem contribuído muito, que devemos viver o dia a dia o melhor possível. Não temos que ser os melhores em tudo, mas temos o dever de tentar que o nosso melhor esteja sempre presente.
A vida muda num ápice e põe-nos à prova constantemente. A realidade que estamos a viver mostra-nos que nada é um dado adquirido. Nem mesmo a nossa liberdade, que hoje está condicionada.
Que esta pandemia nos torne pessoas mais resilientes, generosas, compreensivas. Essencialmente, pessoas melhores.
A emergência médica não pode parar. Mesmo em estado de emergência, em isolamento ou quarentena. Temos um dever acrescido e uma grande responsabilidade nos ombros: salvar vidas!