Apesar das críticas, Parlamento considera compatível que deputada presida ao Conselho de Disciplina da federação
PAN (que votou contra) e Bloco prometem apresentar propostas para impedir situações de promiscuidade entre a política e o futebol. Partidos criticam a questão ética mas dizem que a lei não proíbe tal acumulação.
Não foi sem críticas que acabou aprovado o parecer que considera não existir “qualquer incompatibilidade ou impedimento no exercício cumulativo” pela socialista Cláudia Santos, do cargo de deputada com o de presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). PS, PSD, CDS, BE e PCP votaram a favor do parecer, porque pela lei a acumulação é, de facto, possível, e só o PAN votou contra.
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Não foi sem críticas que acabou aprovado o parecer que considera não existir “qualquer incompatibilidade ou impedimento no exercício cumulativo” pela socialista Cláudia Santos, do cargo de deputada com o de presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). PS, PSD, CDS, BE e PCP votaram a favor do parecer, porque pela lei a acumulação é, de facto, possível, e só o PAN votou contra.
O caso, divulgado pelo PÚBLICO na passada semana, tornou-se polémico e o PAN e o BE já anunciaram que vão propor uma alteração à lei aprovada há um ano sobre o regime de cargos políticos e altos cargos públicos para impedir os deputados de assumirem funções em altas instâncias desportivas. O PAN cita como exemplo os magistrados que só podem exercer funções deste género desde que pro bono e só depois de autorizados. O partido está a estudar qual a fórmula que pode adoptar para os deputados.
“No plano jurídico-legal não há qualquer problema, mas temos que fazer uma avaliação global, incluindo a vertente ética e política. Como a posição dos partidos não pode estar no parecer formal que sai da Comissão da Transparência e que vai caucionar as intenções do PS, votámos contra”, explica ao PÚBLICO o deputado do PAN André Silva. O BE, que admitira publicamente votar contra, acabou por votar a favor por se tratar de um parecer apenas sobre os “aspectos legais”, ainda que deles discorde.
Na discussão na Comissão da Transparência desta quinta-feira, os partidos admitiram que a lei permite a acumulação, mas os argumentos da ética, da necessidade de separar política e futebol e de preservar a imagem do Parlamento também foram aduzidos. O PS defendeu a posição da sua deputada e a conformidade com a lei e a deputada Isabel Oneto até lembrou casos antigos no PSD, como Gilberto Madaíl e Hermínio Loureiro para apontar a incoerência do PSD.
O parecer que conclui não haver incompatibilidade de Cláudia Cruz Santos assumir o cargo na FPF até foi elaborado por um deputado do PSD. Na reunião, André Coelho Lima lembrou que além do enquadramento jurídico há o ético: “A polémica em torno desta questão é demonstração mais do que bastante de que se trata de uma barreira que eticamente não deveria ser ultrapassada.” Citou a acta do Conselho Superior da Magistratura em que o presidente afirmou que a dignidade do cargo de magistrado não é compatível com o exercício em entidades desportivas para questionar se a função de deputado é menos digna que a de um magistrado. “Se não é, então também se pode considerar que o prestígio do deputado pode estar em causa.”
Questionado sobre a alteração à lei, André Coelho Lima diz que “a dimensão ética não tem que ser legislada, mas pode ser censurada”. No entanto, salvaguarda as aptidões curriculares de Cláudia Cruz Santos para a função. A deputada, que é jurista e professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, presidiu à Comissão de Instrução e Inquérito das competições profissionais de futebol entre 2012 e 2016, um órgão que fazia a investigação e a acusação dos ilícitos das competições profissionais de futebol. “Fui eleita como candidata independente nas listas do PS e não tenho qualquer actividade enquanto deputada relacionada com o desporto”, argumentou a deputada ao PÚBLICO.
“Somos confrontados com a lei; não temos outra saída porque a lei não proíbe a acumulação e a deputada nem era obrigada a pedir o parecer”, admite o comunista João Oliveira ao PÚBLICO. O PCP defende o princípio da exclusividade, porque “o mandato de deputado deve ser exercido sem condicionamentos” e o líder parlamentar recusa alinhar em “discursos de quem rasga as vestes neste caso mas branqueia situações ainda mais graves, como a da acumulação do cargo de deputado com a participação em SGPS”. Sobre estender impedimentos em cargos desportivos, João Oliveira lembra que isso iria proibir até a ligação a clubes de bairro, o que pode ser uma limitação na participação cívica.
O Bloco, que já avisou que vai reapresentar a proposta da exclusividade dos deputados, vincou na reunião que o caso “expõe uma clara promiscuidade entre política e futebol, algo que também entra em questões éticas”, pelo que a deputada não devia aceitar o convite.