Ameaçada pelo Tribunal Constitucional alemão, Lagarde diz-se “irredutível”
BCE pode optar por não responder directamente ao tribunal, deixando essa tarefa ao Budesbank e mantendo a aplicação das suas políticas como se nada tivesse passado.
Dois dias depois da decisão do Tribunal Constitucional alemão — que colocou em causa as compras de dívida pública com que o Banco Central Europeu está a responder à crise —, a presidente e o vice-presidente da autoridade monetária fizeram questão de deixar claro que não pretendem alterar num milímetro a política que têm vindo a seguir.
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Dois dias depois da decisão do Tribunal Constitucional alemão — que colocou em causa as compras de dívida pública com que o Banco Central Europeu está a responder à crise —, a presidente e o vice-presidente da autoridade monetária fizeram questão de deixar claro que não pretendem alterar num milímetro a política que têm vindo a seguir.
“Somos uma instituição independente, que responde ao Parlamento Europeu e que age de acordo com o seu mandato. Vamos continuar a fazer tudo o que for preciso para cumprir esse mandato. Irredutíveis, vamos continuar a fazer isso”, afirmou Christine Lagarde num seminário online organizado pela Bloomberg.
Na mesma linha, a falar no Parlamento Europeu, o vice-presidente do BCE, o espanhol Luis de Guindos disse que a instituição “continuava mais determinada do que nunca em garantir condições financeiras favoráveis em todos os sectores e países para permitir que este choque sem precedentes seja absorvido”.
As declarações dos mais altos responsáveis do BCE são uma forma de transmitir tranquilidade aos mercados depois de a decisão do Tribunal Constitucional alemão ter lançado algumas dúvidas sobre a capacidade de o banco central poder continuar durante um período longo de tempo a efectuar as compras de títulos de dívida pública com que tem evitado uma escalada das taxas de juro de alguns dos Estados-membros da zona euro.
O tribunal com sede em Karlsruhe considerou, na passada terça-feira, que o BCE está a ir para além do seu mandato com as compras de dívida pública que tem vindo a efectuar ao longo dos últimos anos, e que recentemente foram aceleradas para responder à actual crise.
A sentença não obriga a que o Bundesbank, o banco central alemão, pare imediatamente de contribuir para essas compras (o programa de aquisição de activos do BCE é passado à prática por cada um dos bancos centrais nacionais), mas determina que uma paragem terá de acontecer se o BCE não conseguir justificar no prazo de três meses a absoluta necessidade do seu programa de compra de dívidas.
Contudo, a opção do BCE poderá passar por não responder directamente ao tribunal. A agência Reuters e o jornal Financial Times noticiaram esta quinta-feira, citando fontes não identificadas do banco central, que não existe intenção de dar justificações ao Tribunal Constitucional alemão já que isso constituiria uma aceitação implícita que estava sob a sua jurisdição.
O BCE não quer fazer isso e os seus responsáveis não se cansam de lembrar que estão apenas sob a jurisdição do Tribunal de Justiça Europeu que já deu a sua aprovação ao programa de compra de dívida.
A solução deverá assim passar por pôr o Bundesbank a lidar com este problema, dando as suas próprias justificações ao tribunal constitucional do seu país. Isto coloca Jens Weidmann, o presidente do Bundesbank, na posição de ter de defender um instrumento que criticou no passado, em diversas ocasiões, principalmente durante o mandato de Mario Draghi.
A motivá-lo estará certamente o facto de os responsáveis do Bundesbank serem também conhecidos como ferozes defensores da independência dos bancos centrais, não gostando de ver políticos e tribunais a tomarem decisões com base em opiniões sobre o impacto económico de decisões de política monetária, como parece acontecer neste caso.
Para Portugal, e para os outros países do sul da zona euro, a criação de um obstáculo à acção do BCE surge na pior altura. Neste momento, é evidente para todos que o banco central está a desempenhar, com as suas compras de dívida, um papel fulcral na manutenção do acesso destes países – principalmente a Itália e a Grécia, mas também Portugal e Espanha – a financiamento a custos baixos nos mercados.
Desde terça-feira, 5 de Maio, o dia da decisão do tribunal constitucional alemão, as taxas de juro da dívida dos países do sul têm vindo a registar subidas ligeiras. Esta quinta-feira, talvez ajudadas pelas declarações dos responsáveis do BCE, têm-se mantido estáveis.