Diabéticos indignados com o Governo: não querem fugir aos empregos nem aproveitar-se da pandemia
Em causa está a saída de pessoas com diabetes e hipertensão da lista do regime excepcional de protecção no âmbito da covid-19, impedindo-as, assim, de terem as faltas ao trabalho justificadas por declaração médica. Uma decisão classificada pelas associações como “ridícula”, mas que o Governo já veio explicar.
A decisão prometia gerar polémica e as reacções contundentes não demoraram. Primeiro, o Governo decidiu retirar as pessoas com diabetes e hipertensão da lista do regime excepcional de protecção no âmbito da covid-19, impedindo-as, assim, de terem as faltas ao trabalho justificadas por declaração médica – nos casos em que não fosse possível exercer as funções à distância.
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A decisão prometia gerar polémica e as reacções contundentes não demoraram. Primeiro, o Governo decidiu retirar as pessoas com diabetes e hipertensão da lista do regime excepcional de protecção no âmbito da covid-19, impedindo-as, assim, de terem as faltas ao trabalho justificadas por declaração médica – nos casos em que não fosse possível exercer as funções à distância.
Agora, chegam as reacções. Definindo a decisão estatal como “ridícula”, a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP) garante ao PÚBLICO que os diabéticos não estão a querer aproveitar-se da pandemia e crê que a medida “deve ser retirada em nome de um critério mais inteligente e sensato”.
“Se acham que as pessoas com diabetes não querem trabalhar e estão a querer refugiar-se atrás da covid-19, isso é uma ofensa. [Governantes] desdenham o esforço diário dos diabéticos, que se esforçam diariamente para controlarem a doença. Controlam a alimentação, a actividade física, os olhos, os pés… é uma doença muito complicada e o respeito é merecido”, aponta ainda José Manuel Boavida, presidente do organismo, que começou o telefonema com o PÚBLICO definindo-se revoltado.
“Como estou? Estou mais ou menos. Esta situação é complicada. E é incómoda para quem tem andado a esforçar-se pelos diabéticos portugueses. Fiquei estupefacto quando soube da decisão do Governo”.
Argumentando que esta não tem “nenhuma justificação que possa ser apontada do ponto de vista sanitário, do risco, da gestão da doença e da abordagem a um grupo populacional alargado como são os diabéticos”, o dirigente vai mais longe na acusação. “É uma decisão política (…) mas as doenças não se tratam por decreto. “Se fomos ouvidos? Não. Ninguém foi ouvido. Mas se querem que a sociedade participe neste combate, ouçam-nos. Não queremos ditar nada, queremos apenas participar na discussão", começa por disparar, questionado sobre qual seria a intenção do Governo.
Terá sido por considerar residual o número de diabéticos com reais limitações para trabalharem? José Manuel Boavida crê que não será por aí. “Se foi isso, não penso que seja um raciocínio defensável. É claro que há pessoas com diabetes que têm óptimas condições para ir trabalhar, mas o regime actual [que protege apenas pessoas que associem problemas crónicos, cardiovasculares, oncológicos e respiratórios] abrange apenas 60 ou 70 mil pessoas”. Um número baixo, defende, num universo de cerca de 700 mil diabéticos, dos quais dois terços estão reformados – sobrarão qualquer coisa como 200 mil doentes.
Opinião diferente, sobretudo nos números, tem o Governo. António Lacerda Sales, secretário de Estado da Saúde, justificou que “os diabéticos e hipertensos podem ficar tranquilos e confiantes”, porque a maioria estará coberta “pelo chapéu das doenças crónicas”. “Na sua grande maioria, são factores de risco para doenças crónicas (…) e, por isso, são essencialmente compensados. A grande maioria dos diabéticos e hipertensos em Portugal está compensada”, disse, na conferência de imprensa de actualização do estado da pandemia.
E também esta posição já mereceu reacção da APDP, na tarde desta quarta-feira. “Dizer que só são doenças quando estão descompensadas é quase um convite a quem quisesse uma justificação para o trabalho deixasse por momentos a medicação. Parece-me um discurso algo irresponsável, até. Descompensado fica protegido, compensado não fica. Descompensado não é uma doença crónica, é uma doença aguda”, diz o organismo, em resposta por e-mail.
Sociedade Portuguesa de Diabetologia fala de “exclusão propositada”
Também a Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD) está “negativamente surpreendida com a exclusão propositada das pessoas com diabetes e hipertensão do regime excepcional de protecção da covid-19”.
Em comunicado enviado às redacções nesta quarta-feira, a SPD fala de uma “exclusão propositada” deste grupo de cidadãos. E detalha: “Não percebemos qual é a intenção do Governo ao excluir as pessoas com diabetes do regime excepcional de protecção. A SPD há meses que faz um trabalho árduo no sentido de sensibilizar as pessoas com diabetes para o risco acrescido que têm perante a covid-19. Vários elementos do próprio Governo têm feito múltiplas menções a este risco”. “Foi uma surpresa para nós esta exclusão” destaca João Filipe Raposo, presidente do organismo.
A organização defende ainda que as sociedades científicas deveriam ter sido ouvidas antes desta decisão. “Os diabetes representam um sério problema de saúde pública em Portugal, com mais de um milhão de pessoas a viverem com a doença (…) esta exclusão deixa estas pessoas numa situação de vulnerabilidade ainda maior”, concluem.
Artigo actualizado às 16h15, com as declarações do secretário de Estado da Saúde e às 18h00 com a resposta posterior da APDP.