Mais de cem activistas e figuras públicas manifestam-se contra plano de Ventura para população cigana

“O ataque constante do partido Chega e do seu deputado André Ventura a um grupo específico de portugueses, com base nas suas características étnico-raciais, considerando-os a todos pessoas que não cumprem a lei e que são um ‘problema’ para a sociedade portuguesa, reveste-se de uma mensagem racista, que merece a nossa total rejeição”, lê-se na comunicação de repúdio.

Foto
Declarações de André Ventura foram criticadas por figuras como Ricardo Quaresma daniel rocha

Mais de duas dezenas de associações e uma centena de activistas e figuras públicas manifestam-se contra a ideia de criar um “plano específico para as comunidades ciganas em matéria de saúde e segurança durante a pandemia de covid-19”. Repudiam aquilo a que chamam a “estratégia demagógica e populista” de André Ventura, líder do Chega, “de incitamento ao rancor”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Mais de duas dezenas de associações e uma centena de activistas e figuras públicas manifestam-se contra a ideia de criar um “plano específico para as comunidades ciganas em matéria de saúde e segurança durante a pandemia de covid-19”. Repudiam aquilo a que chamam a “estratégia demagógica e populista” de André Ventura, líder do Chega, “de incitamento ao rancor”.

A extensa lista inclui ciganos ilustres, como a cineasta Leonor Teles, o político Carlos Miguel, o futebolista Ricardo Quaresma, que até fez uma comunicação pessoal nas redes sociais, mas também muitos não-ciganos de diversos quadrantes políticos ou artísticos da vida pública portuguesa, como Pedro Bacelar de Vasconcelos, Catarina Marcelino, Elza Pais, Ana Gomes, Helena Roseta, Isabel do Carmo, Beatriz Dias, Francisco Louçã, Marisa Matias, José Manuel Pureza, Luís Filipe Menezes, Roque Amaro, Pedro Calado, Sérgio Aires, Miguel Januário, Pedro Neves, José Leitão, José Caldas, António Capelo, Sara Barros Leitão.

O processo está no início. André Ventura escreveu aos líderes dos partidos de direita com assento parlamentar – Rui Rio, do PSD, Francisco Rodrigues dos Santos, do CDS, e João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal. Na carta que dirigiu a cada um deles pediu-lhes apoio para uma iniciativa legislativa que juntaria toda a ala direita da Assembleia da República. Essa abarcaria um “levantamento urgente” sobre a “composição, quantificação e localização das comunidades ciganas em Portugal” e um “plano específico”, com “mais policiamento junto das zonas de residência dessas comunidades, maior investimento em acções de formação e sensibilização e regras de confinamento específicas”.

“Generalizações”

A notícia foi avançada pelo jornal i na última segunda-feira. Os líderes das principais associações ciganas – como a Letras Nómadas, a Associação Social Recreativa Cultural Cigana de Coimbra, a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas, a Ribaltambição, a Sendas e Pontes e a Sílaba Dinâmica – puseram-se logo em sentido. “Só nos lembra a Alemanha e as práticas nazis”, diz Bruno Gomes Gonçalves, vice-presidente da Letras Nómadas.

Não quiseram agir sozinhos, como têm feito noutras alturas em que se sentem atacados pelo Chega. Aliaram-se a associações de defesa dos direitos humanos, como a SOS Racismo, a Ilga-Portugal, a UMAR, a APAV. E a pessoas dedicadas a estas causas ou com algum peso na sociedade portuguesa. “Apesar da onda negra nas redes sociais, sabemos que não estamos sozinhos”, salienta Bruno Gomes Gonçalves. “E temos que colocar um travão nisto. Hoje são os ciganos, amanhã são os negros, os membros do movimento LGBT, os imigrantes, os refugiados, os antifascistas.”

A proposta tem por base um foco de contaminação de covid-19 no Alentejo e desacatos e actos de vandalismo no decurso de uma manifestação na Figueira da Foz. Num caso, as pessoas colaboram com as autoridades de saúde pública, “quer nas regras de confinamento, quer na autorização para a realização de testes”. No outro, devem as “autoridades actuar em conformidade, independentemente da origem étnico-racial dos praticantes”. “Ele generaliza. Constantemente tem vindo a generalizar”, torna Bruno Gomes Gonçalves. “Ele não fala em medidas de confinamento específicas para este ou aquele, fala em confinamento específico para todas as pessoas ciganas.”

“Tubo de ensaio”

A comunicação de repúdio, que foi tornada pública esta quarta-feira, é peremptória: “Todas as pessoas, ciganas e não-ciganas, estão sujeitas à contaminação pela covid-19; todas as pessoas, ciganas e não-ciganas, estão sujeitas às regras de confinamento; as propostas do deputado André Ventura violam grosseiramente a Constituição da República Portuguesa, ao discriminar uma comunidade pelas suas características étnico-raciais”. Mais: “O ataque constante do partido Chega e do seu deputado André Ventura a um grupo específico de portugueses, com base nas suas características étnico-raciais, considerando-os a todos pessoas que não cumprem a lei e que são um ‘problema’ para a sociedade portuguesa, reveste-se de uma mensagem racista, que merece a nossa total rejeição.”

“Ele anda a fazer tubos de ensaio desde 2017”, conclui Bruno Gomes Gonçalves. “Ele vai experimentando até onde pode ir, vai sondando se cai bem ou não na opinião pública. Só que isto vai contra todos os valores democráticos. Ainda agora celebrámos o 25 de Abril! Isto é um vírus que está a ameaçar a democracia em Portugal.”