Cientista por detrás do confinamento britânico quebra quarentena

O epidemiologista Neil Ferguson aconselhou o Governo de Boris Johnson a fechar o país. Mas o próprio acabou por não aguentar o isolamento social — e saiu do Grupo Consultivo Científico para as Emergências.

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Ferguson recebeu a namorada em casa durante o período de confinamento DR/Imperial College London

Depois de alguns dias de indecisão sobre as medidas a tomar, com o primeiro-ministro Boris Johnson a duvidar das estratégias da maioria dos países europeus e a defender políticas que promovessem a imunidade de grupo, o Reino Unido acabaria por determinar o encerramento do país e medidas de confinamento rigorosas, a 23 de Março, para conter o surto pelo novo coronavírus​.

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Depois de alguns dias de indecisão sobre as medidas a tomar, com o primeiro-ministro Boris Johnson a duvidar das estratégias da maioria dos países europeus e a defender políticas que promovessem a imunidade de grupo, o Reino Unido acabaria por determinar o encerramento do país e medidas de confinamento rigorosas, a 23 de Março, para conter o surto pelo novo coronavírus​.

Por detrás da opção estavam vários académicos e cientistas, nomeadamente Neil Ferguson, que criou um modelo de transmissão que sugeria a possibilidade de morrerem cerca de 250 mil pessoas caso não fossem tomadas medidas drásticas.

Só que o distanciamento social terá sido impossível de suportar para o especialista, com o Telegraph a revelar que, durante este período, Ferguson recebeu em sua casa uma mulher, pelo menos duas vezes, com quem manterá uma relação de intimidade. A mulher em causa foi identificada, pelo mesmo jornal, como Antonia Staats, de 38 anos, que é casada e que reside com o marido e com os dois filhos de ambos. As visitas terão ocorrido a 30 de Março, o mesmo dia em que o cientista defendeu que o confinamento deveria prolongar-se até Junho, e a 8 de Abril, depois de o cônjuge de Staats ter manifestado sintomas da doença covid-19 (como a própria terá falado com amigos próximos).

O alegado caso extraconjugal poderia, noutros tempos, ter feito notícia num qualquer tablóide. Porém, no quadro actual, o que fez manchetes também na imprensa dita séria foi o facto de o especialista ter feito o oposto do que defendeu — e que levou a que milhões se trancassem em casa. E, como nestas coisas de ciência não vale a máxima do “faz o que digo e não o que faço”, o professor Ferguson depressa veio a público assumir o erro e anunciar a sua saída do Grupo Consultivo Científico para as Emergências (SAGE, na sigla original): “Aceito que cometi um erro de discernimento e tomei a atitude errada.”

“Agi na convicção de que estava imune, tendo tido resultados positivos no teste do coronavírus e tendo-me isolado completamente durante quase duas semanas após o desenvolvimento dos sintomas”, explicou o especialista, num comunicado. “Lamento profundamente qualquer enfraquecimento das mensagens claras em torno da necessidade contínua de distanciamento social”, concluiu.

O facto de haver testes positivos em doentes infectados após o desaparecimento de todos sintomas e em assintomáticos contradiz as explicações de Ferguson, que não refere se terá sido testado para confirmar o desaparecimento da doença. Além disso, e apesar de haver indicadores que sugerem a hipótese, a imunidade após contrair a doença ainda não foi declarada pela comunidade científica. A Organização Mundial da Saúde, aliás, emitiu uma nota em que esclarece que “não há provas” científicas de que as pessoas que recuperaram da covid-19 e têm anticorpos estejam plenamente protegidas de uma nova infecção.

Em declarações à BBC, o secretário de Estado britânico para a Segurança, James Brokenshire, lamentou o sucedido, considerando que Ferguson tomou “a atitude certa” ao demitir-se do SAGE, acrescentando a importância de “assegurar a clareza da mensagem sobre a manutenção das regras e requisitos em matéria de distanciamento social”.

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Our World in Data

O Reino Unido é o país europeu, até à data, com mais óbitos na sequência da infecção por SARS-CoV-2: há 29.427 mortos num universo de 194.990 casos identificados, o que representa uma taxa de letalidade (óbitos por infectados) de 15%. No entanto, o Reino Unido não tem sido o país que tem realizado mais testes e, por isso, esta taxa estará inflacionada (até 3 de Maio, a média de testes era de 13 por cada mil habitantes; em Portugal, a média era de 44,97 por cada mil).


Notícia actualizada às 14h20, com dados sobre a mulher que visitou o cientista