Um plano para a reabertura dos Tribunais
Desde o início da pandemia que os Tribunais ou estão praticamente fechados – com alguns actos praticados à distância - ou funcionam apenas para casos urgentes, como processos com arguidos presos e providências cautelares. O grande volume do trabalho judicial está paralisado há mês e meio. Segundo a Ministra da Justiça, já foram adiadas mais de 20 mil sessões de julgamento. As consequências para o andamento dos processos serão, obviamente, dramáticas. Prevê-se que a recuperação deste atraso possa demorar vários anos. Utilizando uma das imagens destes tempos, a curva dos processos pendentes levará largo tempo a ser achatada.
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Desde o início da pandemia que os Tribunais ou estão praticamente fechados – com alguns actos praticados à distância - ou funcionam apenas para casos urgentes, como processos com arguidos presos e providências cautelares. O grande volume do trabalho judicial está paralisado há mês e meio. Segundo a Ministra da Justiça, já foram adiadas mais de 20 mil sessões de julgamento. As consequências para o andamento dos processos serão, obviamente, dramáticas. Prevê-se que a recuperação deste atraso possa demorar vários anos. Utilizando uma das imagens destes tempos, a curva dos processos pendentes levará largo tempo a ser achatada.
O atascanço processual em grande escala que se adivinha não é propriamente animador. Embora se tenham verificado algumas melhorias, a Justiça portuguesa continua a ser demasiado lenta e ineficiente, como refere o estudo da OCDE de 2019 sobre a economia portuguesa. O relatório “Doing Business” do Banco Mundial também de 2019 é eloquente. Segundo esse relatório, num caso típico, utilizado para medir a capacidade de fazer cumprir um contrato comercial recorrendo a um Tribunal, Portugal demora mais de dois anos a ter uma decisão judicial. É mesmo o 23.º país da UE a 28 (incluindo ainda o Reino Unido). Um fraco resultado que, tendo em conta o mês meio de paragem pandémica dos Tribunais, pode sempre piorar.
Até agora, o único remédio proposto é encurtar as férias judiciais de verão em 15 dias. Os Tribunais estariam de férias somente em Agosto, trabalhando na segunda quinzena de Julho. Parece muito pouco para a carga processual que aí vem. Não basta prolongar o tempo de trabalho judicial. Aliás, deve aproveitar-se a experiência das regras de excepção que vigoram durante a pandemia para aperfeiçoar a tramitação processual, evitando deslocações que podem ser evitadas. Um plano para a reabertura dos Tribunais tem que ter três vertentes: organização dos Tribunais, aproveitamento do sistema informático CITIUS e simplificação das soluções jurídicas.
Em primeiro lugar, deve apurar-se com rigor onde estão os estrangulamentos do sistema. Os Tribunais devem ser auditados para rápida detecção de quais sofreram mais atrasos e quais demorarão mais tempo a recompor-se. Esta análise deve ser temperada com os recursos existentes e, se necessário, implicar a alocação de juízes e procuradores do Ministério Público onde seja preciso atacar mais rapidamente a pendência.
O CITIUS permanece uma poderosa ferramenta subutilizada, com muitas potencialidades por explorar. Este sistema informático deveria automatizar grande parte do processo, contando prazos, calculando custas, permitindo requerimentos por inscrição no processo, dando respostas padronizadas em algumas questões e permitindo actos em massa, tanto de juízes como de advogados. São milhares de horas de trabalho que se poderiam poupar.
Devem aproveitar-se algumas das regras vigentes nos Tribunais durante a pandemia para estabelecer novas práticas, que sejam mais eficientes e reduzam os tempos processuais. Por exemplo, audiências prévias por videoconferência. Estas audiências são breves reuniões do juiz com os advogados para discutir e preparar o julgamento que poderiam ser feitas à distância. Nos processos mais simples e de menor valor, por sugestão do Tribunal e acordo das partes, poderiam realizar-se igualmente julgamentos à distância. Deveria ainda ser, finalmente, adoptada a gravação de imagens dos depoimentos testemunhais em Tribunal, permitindo o exercício de um verdadeiro direito de recurso de uma sentença, pois os Tribunais ainda só fazem gravações áudio. O que, em 2020, é anacrónico.
Por fim, as soluções jurídicas devem ser simplificadas. No último mês e meio, aprovaram-se várias leis que foram sendo remendadas à medida que a experiência “covideana” evoluía. O resultado final é uma manta de retalhos que irá originar discussão jurídica e decisões judiciais contraditórias. Devem ser identificados os principais nós jurídicos nas leis aprovadas para, em tempo útil, serem desatados e esclarecidos. Além disso, adivinhando-se as questões que se irão colocar em matéria contratual, com incumprimentos por impossibilidade e até por alteração das circunstâncias, deveria ser elaborado um estudo que indicasse cenários e soluções de decisão. Seria uma importante ferramenta de apoio para juízes e advogados. A aridez e a complexidade de partes do direito civil português, bem como a necessidade de ter sentenças rápidas e não contraditórias assim o exigem.
A pandemia veio alterar profundamente a nossa forma de viver e de trabalhar. Cabe-nos reagir e fazer um mundo pós-pandemia melhor que aquele que havia antes. E isso também vale para os Tribunais.