As três coisas que mais quero fazer quando tudo voltar à normalidade?

Depois de me despojar, venham os abraços. É uma prioridade assim que se possa. Repito: assim que se possa. Reencontrar as pessoas e devolver-lhes o abraço, o toque, o olhar para lá do ecrã.

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Christiana Rivers/Unsplash

Eis a palavra que hoje nos enche as horas: normalidade. Normalidade, coronavírus, pandemia, medidas, confinamento, restrição, normalidade, levantamento, normalidade. Normalidade. Afinal, nem nós sabemos o que possa ser a normalidade. Mas temos visto uma enorme avalanche de opiniões e, de repente, durante poucos meses, tornámo-nos especialistas. Opinamos sobre tudo, escrevemos sobre tudo e falamos sobre tudo

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Eis a palavra que hoje nos enche as horas: normalidade. Normalidade, coronavírus, pandemia, medidas, confinamento, restrição, normalidade, levantamento, normalidade. Normalidade. Afinal, nem nós sabemos o que possa ser a normalidade. Mas temos visto uma enorme avalanche de opiniões e, de repente, durante poucos meses, tornámo-nos especialistas. Opinamos sobre tudo, escrevemos sobre tudo e falamos sobre tudo

Chegam a existir momentos em que pomos em causa estatísticas, números, recomendações e directrizes vindas dos próprios especialistas porque estamos mergulhados na nossa própria especialidade, arrogância e irreverência.

Pois, a primeira coisa que quero fazer quando tudo isto passar é tornar-me vazio. Tornar-me vazio como as primeiras grandes vontades de Siddhartha no romance de Herman Hesse. Encontrar um ponto de equilíbrio naquele magnífico discurso entre Siddhartha, Vasudeva e Govinda. Despojar-me das opiniões e recomeçar. Deixar de procurar, correndo o risco de que os meus olhos apenas encontrem aquilo que é procurado, deixando escapar tudo o resto. E a beleza das coisas está em tudo o resto. Esvaziar-me.

Se há coisa que a quarentena e a pandemia nos deu foi a pergunta, as perguntas. Voltámos a perguntar, a parar e a questionar. E as dúvidas fazem parte de um processo longo e lento de aprendizagem. Logo, não deixemos que o recomeço nos tire essa capacidade, encontrando uma forma ténue e subtil de vaguear entre o vazio e a pergunta.

Por isso, depois de me despojar, venham os abraços. É uma prioridade assim que se possa. Repito: assim que se possa.

Reencontrar as pessoas e devolver-lhes o abraço, o toque, o olhar para lá do ecrã. Não só com os amigos, com as pessoas especiais, mas sobretudo com os mais velhos. Poder compensar algum tempo perdido com os mais velhos de quem nos tivemos que afastar. Esta será uma época de regressar à escuta dos mais velhos e acolher aquilo que ainda têm para nos dizer.

Sejam os nossos avós ou pessoas mais velhas que são especiais na nossa vida. Aqueles que sabem, aqueles que têm tempo. Sim, tempo. Será sempre a forma como olhamos para as palavras. Há quem diga que os mais velhos têm pouco tempo. Discordo. Se há coisa que têm, é tempo. E também é com tudo o que aprenderam com o tempo que têm, que vale a pena ouvi-los. É urgente o reencontro com os mais velhos.

Depois do vazio e do abraço, concluo com a terceira coisa que quero fazer quando tudo regressar à vida lá fora: viajar. Também é isso que me move a espuma dos dias.

Não tenho para já um destino concreto, sabendo que será escolhido entre a Namíbia e o Japão, mas, ainda assim, só o facto de saber que poderei voltar a tirar a grande mochila do meio da tralha, pôr de parte as botas velhas, a roupa velha de viagem, o caderno e a caneta, o material de reportagem, é uma brisa que me atravessa.

Poderei percorrer os caminhos de Bashô no Japão ou perder-me no deserto de Sossusvlei, como grandes fotógrafos da vida selvagem, não importa. Será o preparar de uma viagem. Esse estudo mergulhado em detalhes que nos dá vida e cor.

Saber que dou duas voltas à chave já do lado de fora da porta e de casa; e só voltarei passados uns tempos. Esse é o instante exacto em que começa a viagem, como dizia o filósofo francês Michel Onfrey. Pois que ele chegue.

Vazio, abraço e a viagem. Estas são as três coisas que quero encontrar e promover assim que tudo passe. E se há coisa que a pandemia nos ensinou, é que se for gradual e faseado, terá mais sabor no final.