De Costa a Trump no teste das nossas vidas
A tempestade perfeita desta crise coloca-nos perante uma escolha entre o difícil, por vezes talvez insuportável, confronto com a verdade e as várias encenações, mais cínicas, barrocas ou simplesmente grotescas, da mentira.
A crise da covid-19 tornou-se o maior teste das nossas vidas, enquanto ainda esfregamos os olhos de incredulidade e espanto. Da China aos Estados Unidos, passando pela Europa e outras partes do mundo, fomos todos apanhados literalmente de surpresa pela eclosão da crise, a dimensão que tomou e a velocidade alucinante a que se propagou.
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A crise da covid-19 tornou-se o maior teste das nossas vidas, enquanto ainda esfregamos os olhos de incredulidade e espanto. Da China aos Estados Unidos, passando pela Europa e outras partes do mundo, fomos todos apanhados literalmente de surpresa pela eclosão da crise, a dimensão que tomou e a velocidade alucinante a que se propagou.
São intermináveis os motivos que alimentam esse teste: humanos, sociais, sanitários, científicos, económicos, políticos… E ninguém sabe verdadeiramente quando poderemos ver a luz ao fundo do túnel, apesar das medidas de descompressão que sucessivos governos vêm agora arriscando com o propósito de aliviar a asfixia económica e sociopsicológica que um pouco por todo o lado se vem sentindo.
É, de facto, um risco cujo preço não sabemos quanto nos vai custar – e nunca se viram opiniões tão desencontradas, por vezes à beira do absurdo, entre os cientistas supostamente familiarizados com estas questões – se acaso as coisas correrem mal e tivermos de regressar ao confinamento estrito, abandonando para já as veleidades de um regresso progressivo à normalidade e à recuperação económica.
Mas esta crise maior das nossas vidas é, sobretudo, um desafio a nós próprios – a cada um de nós. E foi por tê-lo dito de forma clara, directa, sem subterfúgios, que António Costa terá surpreendido pela positiva quase toda a gente ao anunciar as novas medidas que irão vigorar depois do fim do estado de emergência. Liberto das suas habilidades e espertezas políticas habituais – e que constituem, de resto, uma característica da suposta infalibilidade do poder político, recusando assumir fraquezas, enganos e erros comuns a qualquer actividade humana –, Costa reconheceu não ter a certeza absoluta dos passos que estava dando e admitiu voltar atrás se acaso verificasse que se tinha equivocado. Ora, esta é a linguagem que a grande maioria das pessoas espera hoje ouvir – e uma grande novidade e verdadeira conquista destes tempos de angústia e incerteza.
A tempestade perfeita desta crise coloca-nos perante uma escolha entre o difícil, por vezes talvez insuportável, confronto com a verdade e as várias encenações, mais cínicas, barrocas ou simplesmente grotescas, da mentira – e que vão de Donald Trump e Bolsonaro ao “imperador” chinês Xi Jinping. Tremenda ironia: a China tenta recuperar como matéria de propaganda e poder global o monstro que gerou no seu seio, enquanto o grande rival americano, ao mesmo tempo que se fecha cada vez mais ao mundo, insiste na culpa de quem o infectou (depois de se ter declarado imune a essa infecção) e na negação e recusa da calamidade que, por imprevidência e irresponsabilidade próprias, o atingiu em cheio.
Entretanto, foi também esta crise que pôs a nu a fragilidade ou o carácter quase fictício de algumas instituições e poderes do mundo contemporâneo, tal como é revelado num inquérito recente de Le Monde: desde a Organização Mundial da Saúde – capturada pela propaganda chinesa nos tempos iniciais do coronavírus – às Nações Unidas – hoje mais impotentes do que nunca, paralisadas pela guerra dos interesses entre as grandes potências – ou finalmente à União Europeia – incapaz ainda de gerir as contradições radicais entre o espaço e a complementaridade dos vínculos comunitários e os egoísmos, medos nacionais e fecho de fronteiras que a pandemia suscitou.
Como se fosse uma maldição bíblica, a covid-19 tem-nos posto desamparados perante nós mesmos. Mas, ao mesmo tempo, nunca como agora fomos desafiados para enfrentar, como uma questão de vida ou de morte, o destino de um mundo que a pandemia veio mostrar irremediavelmente interligado a todos os níveis e em que a aposta no equilíbrio ecológico se tornou a pedra de toque da sobrevivência global. Isto pode revelar o pior ou o melhor de nós. Temos de fazer tudo o que é possível para que ganhe o melhor.