A filantropia mobiliza-se como nunca para a luta contra a covid-19
Empresas, organizações não governamentais e multimilionários têm contribuído num esforço sem paralelo.
Empresas e organizações não-governamentais já canalizaram mais de 8,3 mil milhões de dólares para projectos relacionados com a covid-19, segundo a organização Candid, que analisa os gastos filantrópicos. É uma quantia nunca antes vista, nem como epidemias como o ébola ou tragédias como os incêndios na Austrália - o que se percebe dado o carácter global da pandemia.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Empresas e organizações não-governamentais já canalizaram mais de 8,3 mil milhões de dólares para projectos relacionados com a covid-19, segundo a organização Candid, que analisa os gastos filantrópicos. É uma quantia nunca antes vista, nem como epidemias como o ébola ou tragédias como os incêndios na Austrália - o que se percebe dado o carácter global da pandemia.
Entre os que mais doaram estão empresas de tecnologia: o maior doador é o co-fundador do Twitter Jack Dorsey, com mil milhões de dólares.
É difícil fazer comparações entre doações - a Candid não contabiliza a doação de equipamento, por exemplo, que pode ser tão ou mais importante quando faltam ventiladores ou equipamento de protecção para os médicos em tantos países.
O papel da filantropia tem levado a discussões sobre o financiamento de organizações e sistemas públicos de saúde. Por exemplo, quando Donald Trump anunciou a intenção de deixar de financiar a Organização Mundial de Saúde (OMS), tornou-se claro que parte do orçamento da organização vinha de fundações ou outros dadores que escolhem projectos específicos para financiar.
A fundação Bill & Melinda Gates, o segundo maior dador da OMS a seguir aos EUA, destina toda a sua contribuição (530 milhões de dólares no ano passado) a projectos específicos: mais de metade para programas para erradicar a poliomielite, seguido de promoção da saúde materna e reprodutiva, passando pela luta contra a malária.
A fundação Gates anunciou que entretanto todo o seu financiamento vai passar para o esforço relacionado com a covid-19, porque os seus efeitos da pandemia vão sentir-se em todo o trabalho contra a pobreza que é o seu foco principal.
Bill Gates já contribuía substancialmente para a investigação em doenças emergentes, depois de ter dito, em 2015, que o maior risco de catástrofe global não eram “mísseis mas sim micróbios”. Deu 100 milhões para a criação da Coalition for Epidemic Preparedness Innovations, que junta financiamento público, privado e filantrópico para desenvolver vacinas e respostas a doenças infecciosas emergentes.
Entre os várias pessoas que nas últimas semanas anunciaram grandes doações, dois sobressaíram: Jack Dorsey, do Twitter, pela dimensão da doação, que corresponde a 28% da sua fortuna pessoal, e Jack Ma, fundador da Alibaba, que é o homem mais rico da China. Tem feito doações de ventiladores a África, inserindo-se na política do regime chinês, que fez deste tipo de doações parte importante da sua diplomacia pós-covid-19 (neste momento a Alibaba está em 12º lugar na lista de contribuições compilada pela organização Candid).
Na lista das empresas dadoras está ainda o gigante chinês ByteDance, a empresa mãe da app de partilha de vídeos curtos TikTok, duas empresas de cartões de crédito, a Mastercard e a Visa. Entre uma lista dominada por americanos, no top ten há um dador chinês, um indiano (Tata Trusts, em oitavo lugar) e um marroquino (Royal Holding Al Mada, em nono lugar).
“O melhor investimento"
A organização não-governamental britânica dedicada à investigação médica Wellcome Trust apelou às doações das grandes empresas para investigação científica, sublinhando que apenas uma vacina ou medicamento eficaz assegurará uma “estratégia de saída”, como disse o seu director, Jeremy Farrar, ao Guardian. Sem isso não haverá um regresso à vida normal, por isso doar para o fundo da covid-19 da Wellcome Trust “é hoje o melhor investimento no negócio”, argumentou.
Nem só as empresas ou os seus “braços” de filantropia têm feito doações: estrelas como Madonna ou George e Amal Clooney, ou Cristiano Ronaldo, também têm feito doações.
Enquanto isso, muitos problematizam as doações dos muito ricos.
Primeiro, aponta Luke Hildyard, activista contra salários excessivos de executivos na organização High Pay Center, diz que enquanto as doações são bem-vindas, a generosidade das “contribuições individuais muito generosas podem esconder o facto de que, como um todo, a contribuição das pessoas muito ricas representam pouco”, declarou ao Guardian. “Estudos mostram que as pessoas mais pobres contribuem mais do que as mais ricas em proporção ao seu rendimento.”
Mesmo entre os muito ricos, o patrão da Amazon, Jeff Bezos, doou (a bancos alimentares nos EUA) uma percentagem que corresponde a 11 dias de rendimento, aponta Robert Reich, professor de políticas públicas na Universidade de Berkeley (Califórnia). É menos de 0,1% da sua riqueza pessoal estimada.
Algumas doações que fazem títulos de notícias podem ainda ser enganosas. A organização CodaStory, da antiga jornalista da BBC Natalia Antelava, desmonta a história de um grande dador, um empresário da Geórgia que foi primeiro-ministro entre 2012 e 2013 e é “o maior filantropo da covid-19”, tendo doado 30 milhões de dólares, ou seja, 7,51 dólares por pessoa em relação à população do país (a tabela ordenava as doações com as que correspondiam a mais verbas por pessoa no país do doador).
Trata-se de Bidzina Ivanishvili, e o artigo do diário britânico The Telegraph que destaca a sua doação está incompleto porque faltam dois factores para a perceber melhor: Ivanshvili é o líder do partido do Governo, e como empresário tem muitos contratos lucrativos com o Estado - “como brincam muitos na Geórgia, o país é a sua empresa”, comenta Antelava.
Há quem defenda que, com a dimensão desta crise, os dadores privados, sejam grandes ou pequenos, estão a fazer um contributo importante, quer a custear investigação quer em alívio de efeitos da queda da economia.
Num artigo de opinião no Guardian, Beth Breeze, directora do Centro de Filantropia da Universidade de Kent, e Paul Ramsbottom, da Wolfson Foundation, argumentam que a filantropia tem menos restrições do que o Estado e menos desejo de resultados do que as empresas, e pode por isso ser mais rápida e financiar projectos mais arriscados. “Os dadores, grandes e pequenos, estão a fazer contribuições vitais para lidar com o coronavírus: dando fundos para investigação, ajuda aos afectados, e preparando a reconstrução do futuro.”