Trinta graus e Carcavelos está deserta

No primeiro dia pós-estado de emergência, muitos procuraram a beira-mar junto a Lisboa mas na areia ninguém pôs o pé.

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Pantalonas amarelas com florezinhas, chinelos de enfiar no dedo, saco de pano a tiracolo, a parte de cima do biquíni exposta ao sol. Está na cara: Isabela queria passar a manhã na praia com a amiga Tainá, mas os planos saíram furados. “A gente vinha à praia, só depois é que vimos que não podíamos”, comentam, encostando-se à grade de onde se avista o imenso areal de Carcavelos.

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Pantalonas amarelas com florezinhas, chinelos de enfiar no dedo, saco de pano a tiracolo, a parte de cima do biquíni exposta ao sol. Está na cara: Isabela queria passar a manhã na praia com a amiga Tainá, mas os planos saíram furados. “A gente vinha à praia, só depois é que vimos que não podíamos”, comentam, encostando-se à grade de onde se avista o imenso areal de Carcavelos.

Estão quase trinta graus Celsius e a praia está deserta de gente. Andam uns dois ou três cães entretidos com o riacho que escorre para o mar, nada mais. “A gente pensou que já havia liberação para as praias”, diz Tainá. As duas amigas vêm desiludidas, mas não excessivamente. O calor pedia praia e mar, um passeio na marginal e duas cervejas também servem. “Segurança ainda vai demorar muito. Mesmo quando abrirem cafés e restaurantes não vai ser como dantes”, afirma Isabela.

Entre Carcavelos e São Julião da Barra, onde os concelhos de Cascais e Oeiras se limitam, há dezenas de corredores e ciclistas domingueiros, ocupando o asfalto que geralmente lhes está vedado. O trânsito automóvel é escasso, praticamente inexistente.

Na rotunda em frente ao forte, a PSP pára todos os condutores para averiguar de onde vêm e para onde vão. “I want to put gasolina”, diz um homem num Fiat 500 descapotável, ignorando que o posto de combustível que procura, ali a meio quilómetro, fica já noutro concelho. O agente explica-lhe: o estado de emergência terminou, mas ainda se mantém a proibição de circular entre concelhos. O homem abre a boca de espanto, agradece e dá meia volta.

Entre as 9h e as 12h, nesta rotunda, 61 automobilistas provenientes de Oeiras foram mandados para trás pela polícia. “Muita gente acha que já pode fazer tudo à vontade porque acabou o estado de emergência”, diz um agente que vai anotando num pequeno papel o número de carros que por ali passam.

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Nuno Ferreira Santos

Todos os lugares de estacionamento estão vedados por fitas e grades, os bares de praia estão fechados e as escadas e terraços que conduzem ao areal têm barreiras para que ninguém passe. Há quem o faça, ainda assim. Três nadadores-salvadores calcorreiam a praia de uma ponta à outra e abordam quem encontram. Acabam de falar com uma família que repousa num rochedo.

“Avisar, alertar, sensibilizar”

“O trabalho consiste muito na prevenção: avisar, alertar, sensibilizar”, explica Paula Vilafanha, da Associação Braveheart, a que pertencem estes nadadores-salvadores. A pedido da Câmara de Cascais, estes homens e mulheres têm ‘patrulhado’ as praias de Carcavelos, Guincho, Conceição, Moita, Tamariz, Parede e São Pedro, mas o seu único poder é o da oratória. Pedem às pessoas “para cumprir as regras, para não tirar as barreiras” e isso “tem funcionado”, diz Paula Vilafanha.

Há sempre excepções à regra. Marieta ignorou as fitas e as barreiras e é a única pessoa no terraço mais próximo da praia, onde a encontramos a fazer alongamentos. Discutiu com polícias e nadadores-salvadores para poder estar aqui, irrita-a o que diz ser a hipocrisia do mundo. “Eu entendo a gravidade disto, mas num mês paramos a vida toda e não somos capazes de resolver outros problemas importantes do planeta?”, indigna-se, reclamando um plano global para as alterações climáticas que, adivinha, não virá.

As praias de Santo Amaro, Paço de Arcos e Caxias também estão vazias, embora o passeio marítimo se encha com skaters, caminhantes e ciclistas. O edital que a Câmara de Oeiras pregou nas grades permite passeios no areal, mas não a estadia. Três raparigas e os seus três pequenos cães desafiam a norma em Santo Amaro. “Foi só para eles correrem mais à vontade, que aí há pessoas e é confuso.”