Começar de novo

Falar sobre o que está a sentir com um bom ouvinte pode ajudar a libertar-se do medo ou da preocupação.

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"Como não ser vítima do medo? Conhecendo-o e usando-o a nosso favor para nos protegermos" @petercalheiros

Uma das premissas que os psicoterapeutas usam em terapia relaciona-se com o desencorajamento das pessoas de se verem como vítimas infelizes das forças que se lhes opõem, ou seja, o problema que leva a pessoa à consulta é visto como algo que está a prejudicar a sua capacidade de dirigir o curso da sua própria vida, então, vamos agir de modo a dar poder ao cliente e reduzir ou eliminar (quando é possível) o problema.

A verdade faz-nos mais fortes

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Uma das premissas que os psicoterapeutas usam em terapia relaciona-se com o desencorajamento das pessoas de se verem como vítimas infelizes das forças que se lhes opõem, ou seja, o problema que leva a pessoa à consulta é visto como algo que está a prejudicar a sua capacidade de dirigir o curso da sua própria vida, então, vamos agir de modo a dar poder ao cliente e reduzir ou eliminar (quando é possível) o problema.

Há cerca de mês e meio, fomos, e ainda somos, vítimas de uma força silenciosa e invisível que age contra nós e que nos obrigou a mudar completamente a nossa vida e a nossa forma de pensar e de estar no mundo. Muitas coisas mudaram em tão pouco tempo e foi-nos retirado poder. Poder de decidir o que fazer, com quem e onde. Poder de estar e de abraçar. Poder de produzir para ganhar. Poder que foi substituído pelo isolamento, pela insegurança, pelas interrupções nas rotinas, pela incerteza e pelo medo. Como tivemos medo, obedecemos ao que nos mandaram fazer: fechámo-nos em casa e reduzimos os contactos com os outros e, na verdade, isto ajudou-nos a sentirmo-nos seguros. Mas até que ponto estamos agora capazes de passar a porta em direcção à rua? Pela nossa saúde, temos de continuar a ter medo e manter os cuidados recomendados pela Direcção-Geral de Saúde (DGS), mas temos, também, de ganhar poder para reescrever a nossa nova vida sem sermos vítimas eternas do medo.

E como não ser vítima do medo? Conhecendo-o, usando-o a nosso favor para nos protegermos, ou seja, fazendo dele um nosso aliado! As mensagens de “vamos ficar todos bem” serviram para dar esperança e sensação de segurança, que se revelaram úteis numa fase inicial da pandemia, apelando à calma e ao bem-estar colectivo.

Contudo, agora é tempo de pensar no regresso e admitir que nem todos vão ficar bem e que “estamos todos diferentes”. Temos de assumir que esta é uma realidade nova, diferente de qualquer outra situação pela qual tenhamos passado e continuamos a ter medo. Vamos, então, valer-nos do medo para não minimizarmos o risco, porque o contágio ainda é possível e porque o vírus ainda mata. Podemos pensar na nossa relação com o medo, dividindo-o em Medo Bom, que nos ajuda a proteger-nos dos perigos reais, e Medo Mau, que é exagerado, causa desconforto e faz-nos sofrer sem necessidade. Assim, podemos usá-lo a nosso favor. Sabemos que a ansiedade e o medo exagerado podem ser o gatilho para o desenvolvimento de problemas de saúde mental, então, temos de filtrar o que o Medo Mau nos diz e procurar formas saudáveis de lidar com a incerteza que se vai manter doravante, porque muitas coisas ainda estão por se definir.

O medo rouba-nos poder e, se for muito intenso, paralisa. Por isso, temos de obter controlo sobre o medo e tentar encontrar em cada um de nós a força para reinventar o nosso novo eu. Isso pode começar pela criação de um sentimento de segurança com aquilo que temos em nós próprios e que nos tornará mais fortes para avançar. Procuremos, por exemplo, os nossos recursos pessoais, características e qualidades que podem ser úteis num momento de adversidade e centremo-nos em quem confiamos, seja um parente próximo ou os profissionais de saúde (médicos, professores, enfermeiros, psicólogos) que, na maior parte das vezes, mostraram ser capazes de nos ajudar neste caminho difícil. Ao despertar um sentimento de competência conseguimos olhar para este desafio que nos foi imposto com mais confiança.

Para começar de novo, com o medo controlado, temos também de ter informação, porque informação é poder e faz parte do nosso poder aceitar que ainda não se sabe tudo sobre a covid-19, que não há vacina, que temos de manter as medidas restritivas e o distanciamento social e que a partir de agora as máscaras e as luvas farão parte da nossa indumentária. A nossa confiança para conseguir voltar ao nosso local de trabalho e estar próximo de pessoas deve assentar na informação sobre o vírus e na sua forma de propagação e, em consequência, como podemos proteger-nos e aos outros (coisas simples e já tão faladas, mas que não devem ser olvidadas, como lavar frequentemente as mãos, desinfectar a secretária, usar máscara, etc.). A literacia para as questões de saúde (física e mental) dos cidadãos é um aspecto central da autodeterminação individual e isso dá-nos poder para agir em segurança.

Deste modo, reflicta um pouco sobre aquilo que lhe pode dar o sentimento de segurança e que permitirá regular a ansiedade e o medo exagerado de voltar à rua e ao que será a sua nova vida.

Aceite como normal caso venha a sentir medo, ansiedade ou irritabilidade quando sair de casa.

Procure ter uma percepção do perigo adequada através de informação fidedigna sobre as formas de contágio e as medidas protecção mais actualizadas. Consulte as fontes oficiais (DGS e Organização Mundial de Saúde).

Lembre-se que a ansiedade e o medo podem aumentar a nossa percepção do perigo e questione se não poderá estar a ter um pensamento exagerado, negativo e pouco fundamentado.

Ao sair de casa para trabalhar estará a aumentar o risco de contaminação, mas não há certezas e temos de viver com a incerteza. Caso mantenha o cumprimento de todos os procedimentos de protecção (lavar as mãos regularmente, desinfectar com frequência as superfícies onde está a trabalhar, não por as mãos no rosto, usar máscara e luvas adequadamente) é pouco provável que seja infectado.

Se tem pensamentos recorrentes com dúvidas e receios que não o deixam concentrar-se noutras tarefas e actividades, tente contrapor-lhes com informação factual.

Aceite que vamos continuar a não poder dar aquele abraço ao nosso grande amigo que já não víamos presencialmente há umas semanas, mas é reconfortante saber que vamos poder olhar directamente nos seus olhos, sem a lente do telemóvel e sentir o seu sorriso.

Falar sobre o que está a sentir com um bom ouvinte pode ajudar a libertar-se do medo ou da preocupação.

Se, porventura, ficar doente, qual será o cenário possível? Se não estiver num grupo de risco nem tiver doenças prévias, desenvolverá sintomas leves a moderados e poderá recuperar em casa. Se ficar doente, ou se alguém da sua família ficar doente, deverá cumprir os protocolos e seguir as indicações dos profissionais de saúde. Não ficará sem apoio médico. Acredite que neste momento os hospitais estão mais bem preparados para nos receberem, se for necessário.

Não tente controlar tudo, porque não vai conseguir. Concentre-se naquilo que é possível fazer por si e pelos seus e sem prejudicar ninguém.

Haverá, certamente, quem não conseguirá fazer isto sozinho, e, em consequência, poderá precisar de ajuda. Estas pessoas, não sendo a maioria, poderão desenvolver problemas, à semelhança de situações adversas de vida (como o divórcio, desemprego, luto), com um maior impacto negativo no seu bem-estar acarretando consequências para as suas relações pessoais e laborais.

Se sentir que não está a ser capaz, por qualquer motivo, de sair de casa porque o medo que sente é tão intenso que o impede, procure ajuda de profissionais de saúde mental cujo trabalho apresenta uma base científica comprovada, como psicólogos e psiquiatras. A ausência de apoio psicológico pode ter um impacto negativo na sua vida social e profissional.

Foi criada pela Ordem dos Psicólogos Portugueses uma linha de apoio em parceria com o Ministério da Saúde. Está integrada na Linha SNS24, podendo ligar para o 808 24 24 24.