Covid-19 deve obrigar a nova reprogramação do Portugal 2020
A máquina dos fundos comunitários está a ser usada para dar resposta imediata ao combate à pandemia, mas tambem terá de contribuir para o relançamento económico. E este não pode esperar pelo próximo quadro plurianual que ainda está a ser discutido.
A ideia de que poderia ser necessário haver uma reprogramação dos fundos comunitários até ao final do programa, para dar uma lógica ao dinheiro remanescente, já estava em cima da mesa e devia ser feita até ao Verão. Mas depois da eclosão da pandemia de covid-19, essa reprogramação “ainda faz mais sentido”.
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A ideia de que poderia ser necessário haver uma reprogramação dos fundos comunitários até ao final do programa, para dar uma lógica ao dinheiro remanescente, já estava em cima da mesa e devia ser feita até ao Verão. Mas depois da eclosão da pandemia de covid-19, essa reprogramação “ainda faz mais sentido”.
Quem o diz é o responsável do principal Programa Operacional regional, o PO Norte, Fernando Freire de Sousa, que recorda que há alguns eixos de intervenção e prioridades de investimento que perderam acuidade, ao passo que outros a ganharam. “Essa reflexão deve ser feita e se ela estava prevista acontecer por este período, continua a ser urgente fazê-lo”, argumentou.
Freire de Sousa refere-se ao dinheiro que os PO regionais pudessem ainda ter em gaveta com o objectivo de lançar avisos e concursos em determinadas áreas, e que agora pode ser desviada para responder a outro tipo de necessidades.
“Esse dinheiro é que tem de ser repensado, para ver se não há necessidade de redistribuir algum desse dinheiro por novas gavetas, algumas abertas por causa da pandemia, mas sobretudo para o relançamento da economia que será urgente e necessário. Devemos deixar cair determinado tipo de investimentos, que pareciam muito interessantes noutro contexto. Agora parece mais premente fazer algum apoio local, por exemplo, no relançamento do pequeno comércio, no apoio aos idosos “, explicou o presidente do PO Norte, programa regional dotado com 3,4 mil milhões de euros.
Ainda antes de se fechar o novo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), que estava já em fase de discussão avançada e que ficou entretanto muito dependente das decisões tomadas no Conselho Europeu, o relançamento da economia terá ainda de ser já pensado no âmbito do actual quadro, o Portugal 2020, que por causa da regra do N+3, pode ser aplicado até 2023.
Recorde-se que em curso estava uma espécie de limpeza, que impunha uma verificação dos projectos que tinham piores taxas de execução, ou não tinham avançado de todo, para permitir desistir desses projectos e que os apoios fossem alocados a outros.
Esse processo deixou de estar na ordem do dia. Agora, está uma espécie de ataque aos problemas imediatos trazidos com a necessidade de combater a pandemia. Tão imediatos que precisam de estar concluídos dentro de seis meses no máximo – e é a esses projectos urgentes que se destinam os 69 milhões de euros disponíveis para apoiar projectos que permitam colmatar necessidades no combate à pandemia, e que podem ter comparticipações a 100%.
“Quem não tem condições imediatas de fazer alguma coisa no âmbito da covid-19 não vem a estes concursos, deve continuar a sua actividade normal”, esclarece Freire de Sousa. Os avisos saíram na semana de Abril, um destinado a apoio à inovação produtiva e outra de apoio a investigação e desenvolvimento. O PO Norte correspondeu com oito milhões de euros para o primeiro e quatro milhões de euros para o segundo. O PO Centro correspondeu com sete milhões de euros para o aviso de apoio à inovação produtiva e com quatro milhões para o apoio à investigação.
O montante disponível é curto – 69 milhões de euros no total – e Freire de Sousa admite que venha a esgotar rapidamente, sobretudo na vertente empresarial. Mas também na componente de investigação a adesão deve ser elevada, o que vai obrigar a que se seja selectivo. “Vai obrigar as equipas de gestão a ser muito selectivas. A selectividade nunca é popular, menos ainda em períodos como este”, advogou.
Questionado pelo PÚBLICO sobre o sucesso da iniciativa governamental de usar os fundos estruturais para melhorar a tesouraria das empresas, pelo menos nas que têm projectos financiados em curso, o gestor do PO Norte explicou que a aceleração dos pagamentos “está mesmo a acontecer.” Todos os pagamentos foram flexibilizados e facilitados. No PO Norte não temos nenhum pagamento a menos de 30 dias, e este número é um tecto, não uma média.
Instado a explicar o que é que mudou para isso ser possível, Freire de Sousa explicou que se aligeirou um conjunto de procedimentos que antes eram regulamentares. “Permitiu-se que alguns procedimentos pudessem ser feitos à posteriori, por amostragem, ou pudessem mesmo ser prescindidos, com o objectivo de o dinheiro chegar mais depressa às empresas”, explicou o gestor, lembrando que esta flexibilização emanou da própria Comissão Europeia, que permitiu depois uma intervenção directa das autoridades nacionais. “Só isso permitiu que alguns aspectos que eram antes inultrapassáveis, porque vinham escritos nos regulamentos, fossem relaxados”, acrescentou.
Por exemplo, um projecto que já está concluído só recebe a última tranche, de 15%, depois de elaborado o relatório final. O relatório final do projecto obriga, por exemplo, a visitas ao local que nesta altura são impossíveis até por razões sanitárias. "O que fazemos é pedir outros meios de prova, ou não pedi-los de todo. Claro que pode haver um ou outro caso em que alguma empresa é menos curial neste processo, mas vale a pena correr isso risco em nome de acelerar todo o processo”, justifica. Por vezes, a elaboração deste relatório final pode levar seis meses a concluir, por obrigar à intervenção de muitas entidades.