PÚBLICO absolvido de ofensas ao empresário Mário Ferreira

Tribunal da Relação recusou condenar o jornal e dois profissionais por reportagem sobre as condições de trabalho nos cruzeiros turísticos do Douro.

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Empresário sentiu-se ofendido com notícia que visava o sector em que opera JOAO GUILHERME / PUBLICO

O empresário Mário Ferreira e uma das suas empresas, a Douro Azul, viram o Tribunal da Relação do Porto recusar condenar o PÚBLICO e dois dos seus jornalistas por causa de uma notícia que dava conta de contestação às condições de trabalho no sector dos cruzeiros no Douro. Ao confirmar a sentença da primeira instância, a decisão já não é passível de recurso.

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O empresário Mário Ferreira e uma das suas empresas, a Douro Azul, viram o Tribunal da Relação do Porto recusar condenar o PÚBLICO e dois dos seus jornalistas por causa de uma notícia que dava conta de contestação às condições de trabalho no sector dos cruzeiros no Douro. Ao confirmar a sentença da primeira instância, a decisão já não é passível de recurso.

O PÚBLICO, e os jornalistas David Dinis (antigo director) e Mariana Correia Pinto, autora da peça visada na acção, já tinham sido ilibados da acusação de ofensas ao bom nome e dignidade dos queixosos. Mas para o empresário - que é também accionista do jornal digital Eco e está negociar a compra de 30% do Grupo Média Capital, que detém a TVI - o PÚBLICO, o seu director e a jornalista que escreveu a notícia, com o título Denúncia de “medo” e “escravatura” nos barcos do Douro sai à ruadeveriam ser condenados, com a revisão da sentença da primeira instância.

Na perspectiva dos ofendidos, a decisão era demasiado lacónica, e não respeitava a Constituição da República Portuguesa e o Código de Processo Civil. De ambos resulta que “o juiz está obrigado a fundamentar as suas decisões, discriminando os factos que considera provados e indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas pertinentes”. Não obstante, acrescentam "o julgador limitou-se a concluir que as imputações aduzidas nas notícias não são ofensivas do bom nome, crédito e reputação dos autores, sem qualquer suporte de facto ou de direito. Ao não permitir saber quais os factos e as normas de direito que sustentaram tal entendimento, a decisão recorrida está ferida de nulidade”, insistiam o empresário e a mais conhecida das suas empresas. 

Posição contrária teve, contudo, o colectivo de juízas liderado por Anabela Tenreiro, que lembrou que “tem sido entendido, de forma reiterada e unânime pela doutrina e jurisprudência, que este vício (falta de fundamentação) só existe [numa sentença] no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respectivo enquadramento legal, o que, do ponto de vista “substancial”, não aconteceu, neste caso, insistem. 

E, tomando este ponto de partida, o colectivo analisou se foram bem ponderados, na primeira instância, dois direitos constitucionalmente protegidos: o direito à honra e ao bom nome, e o direito à liberdade de expressão, de informar e de ser informado. Nesse aspecto, o acórdão incorpora muito do pensamento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre estas questões.

As juízas lembram, por exemplo, que seguindo a jurisprudência do TEDH, no qual Portugal tem sido condenado por decisões judiciais internas que violam, precisamente, a liberdade de expressão, o Tribunal de Justiça da União Europeia argumentava, já numa sentença de 2001, que “a liberdade dos media compreende a liberdade de transmitir ideias, todo o tipo de declarações, juízos de valor, sentimentos, emoções, actos de vontade, comentários, propaganda, comunicação de factos, sejam eles verdadeiros ou falsos, compreensíveis ou ininteligíveis e indecifráveis, favoráveis, inofensivos e indiferentes ou ofensivos, chocantes, perturbadores e incómodos para um determinado sector da população ou para uma determinada actividade”. 

Trata-se, pois, insistem as juízas, “de um verdadeiro exercício de crítica, sendo que as exigências do pluralismo e da tolerância caracterizadoras de uma ‘sociedade democrática’ impõem, nesta matéria, um âmbito de protecção alargado”.

E este exercício, acrescentam, seguindo o entendimento do mesmo TEDH, não pode ser limitado pela exigência de comprovação, por parte dos jornalistas, da veracidade de afirmações imputáveis a terceiros - as pessoas que contestavam as condições de trabalho nos barcos do Douro, neste caso - “mesmo que elas se revertam de uma natureza eventualmente difamatória”. Mais ainda, notam, quando em causa, comprovadamente, está uma matéria de interesse público, que para além de trabalhadores e ex-trabalhadores do sector envolveu um sindicato e um deputado, que questionou também a situação laboral no sector.