O novo fato de António Costa
A conferência de imprensa de António Costa desta quinta-feira e a entrevista ao final da noite à RTP comprovaram que o primeiro-ministro se reinventou entre os danos da crise.
O primeiro-ministro e o Governo partiram para esta segunda fase da crise do novo coronavírus com um dilema crítico: como avançar para uma tímida reabertura da sociedade para injectar um pouco de dinamismo na actividade económica e no emprego sem afrontar os naturais receios de uma sociedade alarmada com o medo da infecção? A conferência de imprensa de António Costa desta quinta-feira e a entrevista ao final da noite à RTP fizeram luz sobre esse dilema e comprovaram que o primeiro-ministro se reinventou entre os danos da crise. Como se em causa estivesse uma espécie de revelação, vimos um chefe de Governo realista, prudente, ligado aos problemas globais sem descurar os pequenos dramas que afectam as pessoas, sempre a evitar a solução fácil ou um amanhã que canta, sem certezas absolutas nem promessas fáceis. Um anti-Costa dos tempos de Pedrógão, portanto.
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O primeiro-ministro e o Governo partiram para esta segunda fase da crise do novo coronavírus com um dilema crítico: como avançar para uma tímida reabertura da sociedade para injectar um pouco de dinamismo na actividade económica e no emprego sem afrontar os naturais receios de uma sociedade alarmada com o medo da infecção? A conferência de imprensa de António Costa desta quinta-feira e a entrevista ao final da noite à RTP fizeram luz sobre esse dilema e comprovaram que o primeiro-ministro se reinventou entre os danos da crise. Como se em causa estivesse uma espécie de revelação, vimos um chefe de Governo realista, prudente, ligado aos problemas globais sem descurar os pequenos dramas que afectam as pessoas, sempre a evitar a solução fácil ou um amanhã que canta, sem certezas absolutas nem promessas fáceis. Um anti-Costa dos tempos de Pedrógão, portanto.
Por muito paradoxal que possa parecer, é este discurso cauteloso e vagamente pessimista sobre o futuro que tem mais condições de gerar confiança entre os portugueses. Se há uma prova definitiva de maturidade colectiva do país a tirar dos últimos 45 dias, está na sua capacidade de perceber a gravidade do problema e na resposta que os portugueses lhe deram. Os mais cépticos hão-de recordar, com razão, as centenas de detidos que se escapuliram às regras do confinamento; os mais duvidosos hão-de afirmar, com toda a justiça, que essa responsabilidade colectiva resulta do medo, da proverbial falta de audácia do país ou da resposta consensual que todo o sistema político deu à crise. Há razão nestes argumentos. Mas o que fomos apreendendo dá para perceber que os portugueses agiram como agiram porque conhecem a gravidade da crise e os custos que vão ter de pagar para o vencer.
As últimas intervenções de António Costa respondem a esse reconhecimento. Pelo que é legítimo admitir que a sua mudança de registo resulta de uma aprendizagem que eliminou de vez o seu irritante optimismo, que vimos pela última vez quando negou a existência de problemas no SNS. Seja como for, não sobram dúvidas de que esta pose é a que mais instila confiança nos cidadãos. Vale muito mais um primeiro-ministro que, perante esta crise, revela dúvidas, que confirma receios sobre os passos que dá, que admite errar e recuar no erro, que adverte para as dificuldades e dá conta da sua impotência para mudar o curso da epidemia do que o contrário. Goste-se ou não do PS, de António Costa ou das suas ideias, há nesta evolução uma realidade incontornável: nunca como hoje o secretário-geral do PS vestiu tão bem o seu fato de primeiro-ministro.