Morreu Tony Allen, o “beat” do afrobeat
Mítico baterista nigeriano que acompanhou Fela Kuti no grupo Africa 70, morreu aos 79 anos, em Paris.
Fela Kuti, músico, activista e lenda da música africana que cunhou o termo afrobeat para designar o género de música que fazia com o grupo Africa '70, dizia que, sem a bateria de Tony Allen, que também foi director musical do colectivo, o afrobeat nunca teria existido. Também o músico e produtor inglês Brian Eno, uma das mais influentes figuras da cultura popular, considerava o nigeriano “o melhor baterista de todos os tempos”, e era comum o seu nome surgir nos lugares cimeiros das listagens de melhores bateristas de sempre. Tony Allen morreu esta quinta-feira, aos 79 anos, em Paris, França, onde residia desde os anos 1980.
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Fela Kuti, músico, activista e lenda da música africana que cunhou o termo afrobeat para designar o género de música que fazia com o grupo Africa '70, dizia que, sem a bateria de Tony Allen, que também foi director musical do colectivo, o afrobeat nunca teria existido. Também o músico e produtor inglês Brian Eno, uma das mais influentes figuras da cultura popular, considerava o nigeriano “o melhor baterista de todos os tempos”, e era comum o seu nome surgir nos lugares cimeiros das listagens de melhores bateristas de sempre. Tony Allen morreu esta quinta-feira, aos 79 anos, em Paris, França, onde residia desde os anos 1980.
A notícia foi avançada pelo site de notícias sobre África Sahara Reporters. A causa da morte não é por enquanto conhecida. À AFP, o empresário do músico, Eric Trosset, limitou-se a afirmar que o óbito não tinha qualquer relação com a actual pandemia de covid-19.
Uma coisa é certa. O ritmo, o seu estilo único de tocar e a sua personalidade humilde mas carismática, perdurarão. Fela Kuti foi durante muitos anos, até à sua morte em 1997, o rosto do afrobeat. Mas para os mais atentos era nítido que Allen era uma pedra nuclear em todas as aventuras sónicas iniciadas na Lagos dos anos 1970.
Foi a partir dali que os dois ofereceram ao mundo um dos ritmos mais disseminados na música criada desde então, influência constante nas mais diversas famílias estéticas, do hip-hop à música de dança electrónica, da soul-jazz-funk às aventuras rock mais alternativas. “Somos os dois fundadores. Fela compunha e cantava, mas sem os meus beats não lhe seria possível compor como o fazia”, diria ele a Rui Portulez, numa entrevista ao PÚBLICO em 2002, quando convidado a reflectir sobre a paternidade do afrobeat.
Trabalharam juntos entre 1964 e 1979, altura em que Allen se saturou de ser uma figura de segunda linha, ou, como o próprio dizia na referida entrevista: “Tínhamos objectivos diferentes, e os tempos eram outros. Nessa altura era tempo de eu tocar e ele cantar. Ele estava à frente e eu atrás. Depois foi tempo de progredir, para outro sítio. Gostei desses tempos, e também gosto dos de hoje.”
Tudo é fusão
Nascido em Lagos, Nigéria, em 1939, Tony Allen era um autodidacta, tendo começado a tocar bateria aos 18 anos, influenciado por músicos oriundos do jazz como Max Roach, Elvin Jones e Art Blakey, ou do afro-jazz, como o ganiano Kofi Ghanaba. O lado de improviso do jazz ou o balanço físico do funk sempre estiveram presentes na sua música, mas depois adicionava-lhe singularidade. Foi isso que fez até ao fim. Este ano tinha lançado um novo álbum, Rejoice, com o trompetista sul-africano Hugh Masekela, que morreu em 2018.
A colaboração com Fela Kuti, que começou nos anos 1960, deu-se primeiro na banda de jazz Koola Lobitos, e depois nos Africa '70, dos quais saiu em 1979. Deram-nos mais de 30 discos, incluindo Zombie, de 1976, ou Gentleman, de 1973, com a bateria essencial na junção polirrítmica de funk, jazz e ecos nigerianos. Numa palavra: afrobeat.
Em meados dos anos 1970 começou uma carreira a solo, povoada por inúmeros lançamentos em nome próprio, e também por muitas colaborações e projectos colectivos. Nos últimos anos esteve muito próximo do inglês Damon Albarn (Blur, Gorillaz), em particular no supergrupo The Good, the Bad & the Queen, com Paul Simonon, dos Clash, e Simon Tong (Verve). O último disco do projecto é de 2018.
Nos seus trabalhos a solo desenvolveu e actualizou o que tinha aprendido nos anos 1960-70. Aquando do lançamento do disco a solo Home Cooking, dizia: "Tudo é fusão, toco diferentes padrões, mas não sei tocar nada que não seja afrobeat. No passado fiz coisas demasiado direccionadas, desta vez decidi chegar a toda a gente. É preciso modernizar o afrobeat, procurando sempre novas direcções. Quero que todos encontrem pelo menos um tema de que gostem, especialmente as novas gerações. São quem compra os discos.”
Ao longo da sua duradoura e ecléctica carreira, que reflectia essa vontade de se actualizar de forma constante, gravou também com nomes como King Sunny Adé, Manu Dibango (outro músico recentemente falecido), Ray Lema, Jimi Tenor, Ty, Ernest Ranglin, Sébastien Tellier, Charlote Gainsbourg, Jarvis Cocker, Air, Flea, Moritz Von Oswald ou Jeff Mills, ao lado de quem actuou no ano passado na Casa da Música, no Porto, entre muitos outros.
Allen actuou diversas vezes em Portugal, nos mais diversos contextos, do Músicas do Mundo de Sines ao festival Lisboa Mistura, do Citemor ao Lisb-On Jardim Sonoro, evento ao qual era suposto voltar em Setembro deste ano. Também tinha uma actuação marcada já para o próximo dia 26 de Maio no Teatro da Trindade. Agora já não o voltaremos a ver numa sala de espectáculos. Mas o seu ritmo, que é também o nosso, continuará a marcar a pulsação dos dias.
Notícia actualizada às 13h16