Mais de 6000 casos de sarampo na Europa. “A covid-19 não pode ter este dano colateral”, diz OMS

OMS Europa diz que os países no continente estão a ter uma evolução diferente da evolução da doença. Se a ocidente o número de casos parece ter estabilizado ou começado a decrescer, no Leste estão a aumentar.

Foto
O combate à covid-19 não pode pôr em causa o acesso a outros cuidados de saúde nem à vacinação, insiste a OMS Europa Adriano Miranda/PÙBLICO

A covid-19 é “implacável”, mas o seu impacto pode ser ainda mais traumático, se outros problemas relacionados com a saúde forem negligenciados e, muito particularmente, a vacinação. Esta mensagem tem sido repetida nas últimas semanas, incluindo pela Direcção-Geral da Saúde, e foi nesta quinta-feira vincada pelo director regional para a Europa da Organização Mundial de Saúde (OMS), Hans Kluge, numa videoconferência para avaliar a evolução da pandemia.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A covid-19 é “implacável”, mas o seu impacto pode ser ainda mais traumático, se outros problemas relacionados com a saúde forem negligenciados e, muito particularmente, a vacinação. Esta mensagem tem sido repetida nas últimas semanas, incluindo pela Direcção-Geral da Saúde, e foi nesta quinta-feira vincada pelo director regional para a Europa da Organização Mundial de Saúde (OMS), Hans Kluge, numa videoconferência para avaliar a evolução da pandemia.

Se a doença parece ter chegado “ao planalto ou a uma diminuição de casos” nos países a ocidente, referiu, está a aumentar no Leste da Europa. 
Doenças que podem ser prevenidas com a vacinação, como o sarampo, “continuam a espalhar-se em algumas parte da Europa, afectando mais de seis mil pessoas nos primeiros dois meses deste ano”, disse Hans Kluge. E frisou: “Não podemos permitir que isto piore. Temos de fazer tudo o que pudermos para impedir que as crianças sejam vítimas desta pandemia, devido à sua vulnerabilidade a doenças que podem ser prevenidas por vacinas, como o sarampo, a difteria ou a rubéola. A covid-19 não pode ter este dano colateral.”

Segundo o director regional da OMS, o sarampo “reapareceu” na Europa em 2017 e no ano seguinte “mais de 500 mil crianças falharam a primeira dose da vacina” contra esta doença. Em consequência disto e do incumprimento do plano de imunização a longo prazo, “mais de cem mil pessoas de todos os grupos etários foram infectados” com sarampo no continente europeu, em 2019, disse. 

Por isso, Hans Kluge instou os pais a não deixarem de vacinar as suas crianças, afirmando que os países adaptaram os seus serviços de saúde para garantir que este processo decorre em segurança e sem perigo de contágio da covid-19. Essa informação é reforçada por Siddharta Datta, responsável pelo programa de vacinação em situações de emergência sanitária da OMS na Europa e que foi muito claro: “Não devemos esperar para vacinar as crianças. A imunização nunca foi mais importante. Não podemos permitir que a covid-19 abra a porta a outras doenças terríveis. O tempo para prevenir é agora.”

Até porque, insistiu, não impedir o surgimento de doenças que podem ser prevenidas com uma vacina irá causar ainda uma maior pressão sobre os serviços de saúde no futuro, quando já estão profundamente sobrecarregados. Hans Kluge deixou a mensagem final sobre esta matéria: “A vacinação é uma das medidas mais eficazes que temos. Protegem a criança de muitas doenças que podem ser mortais. Numa altura em que temos cientistas em todo o globo a procurar desenvolver uma vacina segura e eficaz para a covid-19, somos de novo recordados de como as vacinas são preciosas.”

E quando é que poderá existir essa vacina eficaz contra a doença que rapidamente se espalhou pelo mundo, a partir da China, foi uma das questões colocadas nesta videoconferência, mas cuja resposta não foi conclusiva. Adam Finn, especialista em vacinação infantil da OMS, lembrou que o processo de criação de uma nova vacina é “longo” e fez um analogia com uma corrida de cavalos, para dizer “que nem sempre o primeiro cavalo a partir é o que ganha a corrida”.

As que já estão a ser testadas podem atrair mais atenção e optimismo, mas podem não ser as mais seguras, eficientes e, muito importante, as que tenham a capacidade para serem produzidas nas melhores condições e distribuídas por todos”, frisou. Por estas razões, adiantou, não é possível dizer ainda quando é previsível que exista uma vacina eficaz.

Para que não restem dúvidas, o director regional da OMS para a Europa foi taxativo ao afirmar que “a covid-19 não vai desaparecer tão cedo”, pelo que é essencial que a vacinação das crianças e que os governos e serviços de saúde garantam que são capazes de dar resposta a todas as questões de saúde que não estão relacionadas com a covid-19, ao mesmo tempo que mantêm um combate “agressivo” à doença.

A reintrodução destes tratamentos, que em muitos casos, como em Portugal, foram suspensos, deve ser feita “de forma segura e rapidamente”, instou Hans Kluge. “Não podemos deixar que a catástrofe da covid-19 resulte numa segunda catástrofe, pelo mau tratamento de problemas de saúde relacionados com outras causas”, disse.

Crescimento a leste

Numa análise à forma como a doença tem evoluído na Europa, o responsável da OMS afirmou que o continente tem, neste momento, “46% dos casos e 63% das mortes” de todo o mundo. Só na Europa “tragicamente, 129.344 pessoas perderam a vida” por causa da covid-19, enquanto a totalidade dos casos detectados no continente já ultrapassou 1,4 milhões. Nos últimos sete dias, disse, houve um aumento cumulativo de 15% no número de casos e as mortes aumentaram 18%.

A evolução não é, contudo, idêntica em todo o lado, realçou. “A situação europeia continua séria. Em termos gerais, enquanto vemos que se atingiu o planalto nos países ocidentais, os casos aumentam quando olhamos para leste”, disse.

Hans Kluge afirmou que Espanha, seguida da Itália, Reino Unido, Alemanha e França, “ainda tem os números mais elevados de casos”, mas que aparentam ter atingido o planalto ou até iniciado uma redução do número de doentes. “Na parte leste da região, a Bielorrússia, a Rússia, o Cazaquistão e a Ucrânia têm um aumento de casos na última semana. Na Turquia a situação estabilizou”, disse.

Esta situação diferente em cada país leva a que os processos de redução das medidas de confinamento também estejam em níveis diferentes, com 21 deles (dos 44 que impuseram algum tipo de medidas) a terem já avançado com alguma redução das restrições e 11, incluindo Portugal, a prepararem-se para o fazer nos próximos dias.

Em todos estes casos, a monitorização constante será essencial e na próxima semana os responsáveis da OMS deverão reunir-se com os ministros da Saúde europeus, para perceber se já é possível uma primeira avaliação de eventuais consequências na evolução da pandemia nos países que contam com mais de uma semana de algum abrandamento das medidas de contenção da pandemia. “Temos de ser vigilantes, perseverar e ser pacientes, estando prontos para adaptar as medidas quando for necessário”, insistiu Hans Kluge.

Questionado sobre o que é que a Europa pode aprender com esta pandemia, o director regional da OMS não hesitou: “Uma das coisas que ela nos mostrou é a velocidade com que os melhores serviços de saúde podem ficar sobrecarregados e ser devastados. A Saúde merece estar no topo da agenda política. Sem ela não há economia, não há segurança nacional. Uma vez que saiamos da pandemia, esta é uma lição que nunca deve ser esquecida.”