Patrões propõem entrada do Estado para segurar empresas durante a crise
CIP defende criação de um fundo que, à semelhança do capital de risco, ajude as empresas em dificuldade. A ideia é complementar o crédito, que está a esgotar-se.
Os tempos de o Estado ter “golden shares” em empresas já lá vão, mas a proposta que a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) vai apresentar na próxima semana ao Governo bem pode ser vista como um certo regresso a essa realidade. As empresas portuguesas precisam de dinheiro, diz o presidente da CIP, e, com as linhas de crédito de apoio às empresas em vias de esgotamento, surge a ideia de uma alternativa: a entrada do Estado, com capital de risco, em empresas, para as segurar durante a crise provocada pela pandemia de covid-19.
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Os tempos de o Estado ter “golden shares” em empresas já lá vão, mas a proposta que a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) vai apresentar na próxima semana ao Governo bem pode ser vista como um certo regresso a essa realidade. As empresas portuguesas precisam de dinheiro, diz o presidente da CIP, e, com as linhas de crédito de apoio às empresas em vias de esgotamento, surge a ideia de uma alternativa: a entrada do Estado, com capital de risco, em empresas, para as segurar durante a crise provocada pela pandemia de covid-19.
O tecido empresarial português nunca gostou muito do capital de risco, mas, “entre a vida e a morte, as opiniões mudam”, atalha António Saraiva, cuja direcção ainda está a trabalhar na proposta que pretende pôr em cima da mesa na próxima semana.
A ideia, segundo explica, é criar um fundo que ajude a capitalizar empresas em dificuldade em troca de equity, isto é, do controlo de capital social da empresa. Para quem é ajudado, isso significaria dinheiro fresco sem os custos associados ao crédito. Para o Estado, seria sinónimo de se tornar temporariamente accionista, até que a normalidade fosse restabelecida. Nessa altura, o sócio Estado devolveria o capital que adquiriu.
Este tipo de operações já é feito. Através da Portugal Ventures, por exemplo, o Estado é accionista de empresas que estão a nascer ou que já estão a operar, entrando com dinheiro como qualquer investidor, sempre com o objectivo de a dado momento vender a sua participação.
Mas a proposta da CIP aponta para dimensões consideravelmente maiores do que o portefólio de uma sociedade com capital de risco como a Portugal Ventures.
O ponto de partida, explica António Saraiva, é o de que o apoio às empresas mobilizado até agora é insuficiente. “Não somos pobres e mal agradecidos e reconhecemos que o Governo lançou um conjunto de medidas que foram bem-vindas.” Porém, o crédito está a esgotar-se, continua. E é preciso mais dinheiro. O Governo mobilizou 13 mil milhões até agora em crédito. Nas contas da CIP, apresentadas no início do mês com uma lista de sete medidas, seriam precisos 20 mil milhões.
Por isso, tal como o Estado alemão deu 2400 milhões de euros para segurar a Adidas, também em Portugal o Estado deveria fazer mais pela capitalização das empresas, defende. Saraiva fala no apoio a “médias empresas”, mas admite que o tal novo fundo pudesse também ajudar “outras tipologias”, desde micro a pequenas e grandes.
Esta semana, a CIP enviou uma carta à presidente da Comissão Europeia. Nela apoia a pretensão do Governo português que pede um fundo solidário que não penalize economias mais pequenas, nem países fragilizados por dívidas públicas elevadas.
“Portugal estava a exportar 47% do PIB, mas a Europa está fechada. Isto vai ter um enorme impacto. Penso que haverá quem ainda não esteja a ver o que vem aí. O apoio do Governo vale 13 mil milhões, a CIP estimou 20 mil milhões, e julgamos que é fundamental caminhar nesse sentido”, refere.
“Acompanhamos as posições do Governo português, quando defende que parte substancial dos fundos europeus deve ser a fundo perdido, deve vir como subvenção. Mas já estranhamos que o mesmo Governo depois não tenha a mesma metodologia na ajuda às empresas em Portugal”, observa o dirigente, depois de considerar que crédito, moratórias e diferimentos ficam aquém das necessidades. “Empurrar dívidas ou criar dívidas sobre dívidas não é a solução.”
O tal fundo disponibilizaria, “com critérios, com selecção bem feita e sem atirar dinheiro, ajuda às empresas segundo a mesma visão que o Governo defende na UE”, insiste.
Legalmente, parece exequível, confirma uma fonte do Governo contactada pelo PÚBLICO. Aliás, já é praticado tanto cá como lá fora. Berlim fez algo do género com a Adidas. Está também a financiar empresas do sector automóvel, o que “aumenta ainda mais a desvantagem da economia portuguesa, se por cá não for feito algo semelhante”, defende Saraiva. Além disso, a UE flexibilizou regras para facilitar a intervenção estatal na economia durante a pandemia.
Porém, de onde viria o dinheiro? Na proposta em que a CIP ainda trabalha, virá pelo menos de dois lados. Em primeiro lugar, parte das garantias públicas sobre empréstimos seria transformado em capital.
A ideia, explica Saraiva, é que a garantia estatal “seja à floresta e não às árvores”. “Em vez de garantir 80% sobre cada empréstimo, o Governo daria garantias de 80% sobre todo o crédito. Como a banca está muito criteriosa no crédito, emprestando a clientes sem risco que, por isso mesmo, nem precisam de garantia nenhuma, já estaria a libertar-se parte desse esforço que deveria ser transformado em capital”.
A segunda fonte de financiamento, diz Saraiva, é a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), que está “sem missão” e tem “verbas paradas”, aguardando uma reestruturação que estava a ser pensada pelo Ministério da Economia.
Siza Vieira – que já rejeitou apoios a fundo perdido, argumentando que “despesa hoje é imposto amanhã”, tal como o fez António Costa – prepara a fusão da IFD com as sociedades de garantia mútua para criar um banco de fomento. Todo o dinheiro que tem está tomado.
Os activos financeiros da IFD vêm de empréstimos canalizados a custo baixo para a banca direccionar dinheiro para a economia. À luz das regras, não o pode converter em capital de risco do Estado – até porque não teria como cobrir imparidades. Os 100 milhões do capital social da IFD têm, por obrigação estatutária, de estar depositados na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças. Neste cenário, a solução da CIP será difícil, ou mesmo impossível.
Determinante para a CIP é não aumentar o fosso entre países mais ricos, que “estão a ajudar mais a economia em percentagem do PIB”, e países mais pobres como Portugal, onde o apoio, segundo os empresários, “é lento e não chega”.
Saraiva aponta o exemplo da Câmara de Sintra, ganha com o apoio do PS, que dá dinheiro a negócios locais. E invoca a ajuda estatal às empresas que mudaram a produção para equipamentos de combate e de prevenção da covid-19, argumentando que, no actual contexto, os apoios a fundo perdido não são inéditos em Portugal.
“Quando o capital de risco apareceu, as exigências e os preços amedrontaram os empresários e deixaram-nos com os cabelos em pé em relação a esta terminologia”, recorda o líder da CIP. “Mas isso aconteceu sobretudo com uns fundos abutres”, continua.
Agora, “num momento de vida ou de morte”, a história pode ser diferente. “Desde que o Estado garanta posições de entrada e saída e um custo gerível para as empresas, sem interferir na gestão, e que as empresas garantam que não pagam dividendos e haja bons critérios de escolha”, haverá empresários interessados, garante.