Tentativas de homicídio disparam durante confinamento
Assassinatos gorados parecem ter sido na sua maioria desencadeados por impulsos momentâneos, fruto de reacções impulsivas e exageradas. Em vários casos houve desentendimentos entre amigos que acabaram em mortes.
As tentativas de homicídio malsucedidas dispararam entre 2 de Março e 26 de Abril, por comparação com período homólogo do ano passado. Ainda não se sabe se o fenómeno pode ou não estar relacionado com o confinamento a que foram sujeitos os portugueses, mas é uma possibilidade a carecer de confirmação.
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As tentativas de homicídio malsucedidas dispararam entre 2 de Março e 26 de Abril, por comparação com período homólogo do ano passado. Ainda não se sabe se o fenómeno pode ou não estar relacionado com o confinamento a que foram sujeitos os portugueses, mas é uma possibilidade a carecer de confirmação.
Estatísticas apuradas pela Polícia Judiciária, órgão de polícia criminal ao qual cabe investigar este tipo de crimes, dão conta de que enquanto em 2019 houve 30 tentativas de homicídio no período em causa, este ano registaram-se 48 – o que significa um acréscimo de 60%. Já os homicídios efectivamente consumados cresceram também, mas numa percentagem de apenas 20%, passando de 15 para 18 mortes. O que permite supor que as tentativas registadas foram suscitadas por impulsos momentâneos. “São situações em que parece ter passado a existir menos respeito pela vida”, observa um dos directores da Polícia Judiciária, Carlos Farinha, que admite que o aumento das tentativas de homicídio possa de facto estar relacionado com a tensão acrescida suscitada pela quarentena e alguma disruptividade em determinadas relações sociais.
A maioria destas vítimas conseguiu escapar à morte por falta de planeamento ou premeditação dos seus agressores. Em vários dos comunicados que difundiu sobre estas ocorrências a Polícia Judiciária fala em motivos fúteis para estes crimes. Foi por exemplo o caso de um homem que estava em casa de um amigo numa localidade de Pinhel, no distrito da Guarda. O amistoso convívio transformou-se em desentendimento e, depois de ambos terem ingerido diversas bebidas alcoólicas, o convidado desferiu várias facadas na cabeça e no ombro do anfitrião, obrigando-o a receber assistência médico-hospitalar. Tudo se passou a 25 de Abril. Poucas horas antes, no Funchal, um homem de 48 anos tinha tentado degolar com uma catana o irmão com quem morava, um ano mais novo que ele. Quando regressou a casa e lá encontrou a polícia usou a mesma arma contra os agentes da autoridade, embora sem consequências. Tudo aconteceu num contexto de alcoolismo.
O presidente da Associação Portuguesa de Criminologia, Vítor Silva, admite que o confinamento forçado possa, de facto, estar a alterar comportamentos até este ponto, desencadeando reacções altamente impulsivas e desproporcionadas. “Não estávamos preparados para alterações tão radicais na maneira de viver, em especial no sul da Europa”, onde o convívio social está muito enraizado, diz o académico. “E acabamos por agir por impulso, como os animais. O confinamento altera a psicopatologia do quotidiano, a nossa maneira de ser.”
Também este mês, numa pensão de Castelo Branco, um homem de 29 anos matou um idoso que não conhecia por suspeitar que este estaria a violar uma empregada do alojamento. Aplicou-lhe um golpe mata-leão a que o septuagenário não resistiu. No passado fim-de-semana, outro desentendimento entre dois amigos que estavam a beber num restaurante que se encontrava aberto na Cruz de Pau redundou em facadas e depois na morte de um dos intervenientes, que ainda sobreviveu até chegar ao hospital. O agressor acabou por se entregar na esquadra.
A meio deste mês, uma discussão entre um vendedor de automóveis de 21 anos e uma das pessoas a quem tinha dado boleia também acabou mal na Maia: depois de se envolver fisicamente com a vítima o condutor voltou para o carro e atropelou-a, matando-a. Não tinha antecedentes criminais.
Recordando que a maioria dos homicidas mata ou tenta matar pessoas do seu círculo de relações, e não desconhecidos, o psicólogo forense da Universidade do Minho Rui Abrunhosa Gonçalves assume que o confinamento pode levar a um agudizar de conflitos já existentes. “As pessoas são forçadas a conviver horas e horas seguidas umas com as outras”, faz notar. E o facto de não poderem na maior parte dos casos sair para irem para os empregos significa a perda, para muitas delas, de uma fonte de realização pessoal.
Com as pessoas fechadas em casa, é natural o decréscimo dos chamados crimes contra o património – não é fácil assaltar casas com os seus ocupantes lá dentro, e os carteiristas não têm tido outro remédio senão suspender as suas actividades. Mas registou-se, como era expectável, uma subida da criminalidade praticada online, nomeadamente das burlas. Já os abusos sexuais de crianças não parecem ter sofrido grande aumento, pelo menos em Portugal, ao contrário do que temia a Europol, que chegou a alertar as autoridades dos diferentes países para essa possibilidade – o que pode explicar-se pelo facto de os abusadores terem deixado de estar sozinhos em casa com as crianças.