OMS suspende vacinação contra a poliomielite em África para combater a covid-19
Organização Mundial de Saúde obrigada a concentrar esforços na prevenção do novo coronavírus, que ameaça os frágeis serviços de saúde de muitos países. Sem vacinas, milhões de crianças ficam expostas à pólio, ao sarampo e à difteria.
Os esforços dos países africanos mais pobres para impedirem que a pandemia da covid-19 destrua o que resta dos seus frágeis sistemas de saúde vão ter como resultado o aparecimento de novos surtos de poliomielite, sarampo e difteria, alertam a Unicef e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta quarta-feira, a OMS suspendeu a sua campanha de prevenção da pólio em África, adiando por tempo indeterminado a vacinação de pelo menos 12 milhões de crianças.
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Os esforços dos países africanos mais pobres para impedirem que a pandemia da covid-19 destrua o que resta dos seus frágeis sistemas de saúde vão ter como resultado o aparecimento de novos surtos de poliomielite, sarampo e difteria, alertam a Unicef e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta quarta-feira, a OMS suspendeu a sua campanha de prevenção da pólio em África, adiando por tempo indeterminado a vacinação de pelo menos 12 milhões de crianças.
“Vão surgir novos surtos de pólio porque não vamos conseguir administrar as vacinas a tempo”, disse Pascal Mkanda, coordenador do programa de erradicação da doença em África, citado pelo jornal britânico Guardian.
As campanhas de vacinação, organizadas pelos governos locais em conjunto com organizações internacionais como a OMS e a Unicef, e executadas no terreno por voluntários nacionais e estrangeiros, exigem que dezenas de pessoas aguardem em filas por uma dose das vacinas, administradas sem as condições de segurança necessárias para o combate ao novo coronavírus.
“Foi a decisão correcta”, disse Pascal Mkanda. “Temos de enfrentar a covid-19, e o processo de administração das vacinas pode aumentar a propagação do vírus.”
O coordenador da OMS não avançou uma data específica para o reinício da campanha de combate à poliomielite, mas disse que isso não acontecerá antes da segunda metade do ano. “Estamos a trabalhar para poder regressar ao terreno assim que as actividades de resposta à covid-19 cheguem ao fim”, disse Mkanda.
Novos casos no Níger
No Níger, onde um surto de poliomielite que durou dois anos foi travado em Dezembro de 2019, foram registados dois novos casos no final da semana passada – um na capital, Niamey, e outro na região de Tillabéri, nas margens do rio Níger, cujas águas nascem na Guiné-Conacri e passam também pelo Mali, Benim e Nigéria.
“O Níger travou os anteriores surtos de pólio com campanhas de vacinação de grande qualidade em 2019. Infelizmente, isso não será possível agora, com a suspensão das campanhas por causa do novo coronavírus, que exigem a aplicação de medidas universais de distanciamento social e higiene”, disse Pascal Mkanda num comunicado publicado no site da OMS na sexta-feira.
“O vírus da pólio vai inevitavelmente continuar a circular e pode vir a paralisar mais crianças”, afirmou o coordenador da organização.
O desvio para a prevenção do novo coronavírus dos recursos destinados ao combate a doenças como a pólio, o sarampo e a difteria vai agravar uma situação que já era preocupante no Níger, mas também em mais de uma dezena de outros países africanos, incluindo Angola, República Democrática do Congo e Etiópia.
Nesses países, a suspensão das campanhas da OMS vai somar-se a problemas como “uma fraca cobertura da vacinação de rotina, recusa de vacinação, acesso difícil a alguns locais e campanhas de vacinação de baixa qualidade”, diz a organização.
Para além da vacinação contra a pólio, vários países africanos suspenderam também as campanhas contra o sarampo e a difteria. Há duas semanas, a Unicef disse que pelo menos 117 milhões de crianças em 37 países “podem deixar de receber a vacina contra o sarampo”, e 25 países já anunciaram a suspensão das suas campanhas para concentrarem esforços no combate à covid-19.
“O desafio nunca foi tão grande”, disse Robin Nandy, principal conselheiro da Unicef sobre imunização. “Com as perturbações nos serviços de imunização por causa da pandemia da covid-19, a vida de milhões de crianças fica em risco.”
Apesar dos sucessos das últimas décadas no combate a doenças como a pólio em África, milhões de crianças com menos de um ano de idade continuam sem acesso a qualquer tipo de vacinas – 13 milhões só em 2018, segundo a Unicef. “Perante as actuais restrições, isto pode abrir caminho a surtos desastrosos em 2020 e nos próximos anos”, alerta a organização da ONU dedicada à promoção dos direitos e das condições de vida das crianças.
Erradicação adiada?
O vírus da poliomielite infecta normalmente crianças com menos de cinco anos e pode destruir neurónios responsáveis pela activação dos músculos, deixando as pessoas paralisadas de uma perna ou de mais membros. A doença foi descrita em 1789, mas só no século XX é que os surtos de poliomielite assustaram os Estados Unidos e a Europa.
Desde 2016 que não se registam casos de poliomielite por vírus selvagem (natural) em países africanos, e o mesmo acontece em Portugal desde 1986 e nos Estados Unidos desde 1979.
Os surtos recentes em países africanos como o Níger, Moçambique e Quénia foram provocados pela transmissão do poliovírus vivo que se encontra na vacina oral. Uma vez expelido, pode sofrer mutações e, em casos muito raros, pode contaminar pessoas não vacinadas através da água e de alimentos, em zonas com más condições de higiene. Em casos ainda mais raros, essas mutações podem provocar paralisia em algumas pessoas contaminadas.
Mas este tipo de contaminação do vírus com mutação da vacina é muito raro, e em países onde o último caso de contaminação natural ocorreu há pouco tempo – como em muitos países africanos –, os benefícios da vacinação oral ultrapassam em muito os riscos de transmissão.
“O pequeno risco de circulação de poliovírus devido à vacinação não se compara aos imensos benefícios para a saúde pública associados à vacinação oral”, diz a OMS. “Todos os anos, são prevenidos centenas de milhares de casos de poliovírus selvagem. Muito mais do que dez milhões de casos foram prevenidos nos últimos 20 anos, desde o início dos programas de vacinação oral.”