Bruxelas abre novo processo de infracção à Polónia por causa da reforma do sistema judicial
Comissão Europeia avaliou a legislação que entrou em vigor em Fevereiro e constatou que põe em causa a independência da magistratura e viola vários artigos dos tratados europeus. Anteriores processos que culminara no Tribunal de Justiça não levaram Varsóvia a recuar.
A Comissão Europeia abriu nesta quarta-feira mais um processo de infracção contra a Polónia, na sequência da entrada em vigor de uma nova versão da lei que reforma o funcionamento do sistema judicial que, na avaliação de Bruxelas, compromete a independência da magistratura e viola os princípios do primado da lei e do Estado de Direito consagrados no artigo 2.º do Tratado da União Europeia.
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A Comissão Europeia abriu nesta quarta-feira mais um processo de infracção contra a Polónia, na sequência da entrada em vigor de uma nova versão da lei que reforma o funcionamento do sistema judicial que, na avaliação de Bruxelas, compromete a independência da magistratura e viola os princípios do primado da lei e do Estado de Direito consagrados no artigo 2.º do Tratado da União Europeia.
O Governo de Varsóvia, do Partido Lei e Justiça (onde manda Jaroslaw Kaczynski, apesar de não ser o primeiro-ministro), tem agora dois meses para responder à carta formal de notificação do processo — um prazo que foi ligeiramente alargado por causa das dificuldades colocadas pela pandemia de coronavírus. Mas como sublinhou a vice-presidente da Comissão Europeia para os Valores e Transparência, Vera Jourová, o estado de excepção “confinou os nossos direitos e valores fundamentais” e o “vírus não matou a democracia”.
O processo anunciado esta quarta-feira diz respeito à lei que foi aprovada a 20 de Dezembro de 2020 e entrou em vigor a 14 de Fevereiro, e que configura a última “versão” da reforma do funcionamento do sistema judicial proposta pelo Governo polaco. “Esta nova lei põe em causa a independência dos juízes polacos e é incompatível com a legislação europeia”, declarou Jourová, dizendo que a legislação impede os tribunais polacos de aplicar determinadas provisões do direito comunitário ou de enviar recursos ao Tribunal de Justiça Europeu. “É uma deturpação da base da ordem jurídica europeia”, considerou.
Este é o mais recente “episódio” de uma saga que começou em Janeiro de 2016, quando a Comissão Europeia iniciou o diálogo com o Governo da Polónia por causa da sua intenção de promover uma revisão aprofundada do seu sistema judicial, para “melhorar os padrões democráticos”, como justificou o Presidente Andrezj Duda, que corre por um novo mandato nas eleições presidenciais de 10 de Maio que o executivo recusa protelar.
As propostas legislativas de Varsóvia levantaram imediatamente dúvidas ao executivo comunitário, que de então para cá já avançou com três processos de infracção contra o país e, em Dezembro de 2017, decidiu pela primeira vez na História, accionar o artigo 7.º do Tratado da UE, acusando a Polónia de violação dos princípios do Estado de Direito (um processo que se arrasta no Conselho da UE).
Além das críticas de Bruxelas, que acusou o Governo liderado pelo Partido da Lei e Justiça (PiS) de tentativa de subordinação do poder judicial e politização da justiça, a apresentação do pacote reformista composto por cerca de 40 propostas de lei levou milhares de cidadãos polacos à rua, em grandes manifestações de repúdio contra as alterações previstas ao funcionamento do sistema. Mas apesar de toda a pressão, o Governo nunca cedeu.
“Quero ser muito clara: os Estados membros têm todo o direito de promover reformas dos seus sistemas judiciais. Mas têm de o fazer no respeito dos tratados europeus”, sublinhou vera Jourová, que considerou que o lançamento de um novo processo de infracção não constituirá “surpresa para ninguém”.
Depois de uma avaliação cuidadosa e detalhada da legislação, a Comissão constatou que “existem riscos muito claros de que as provisões relativas ao regime disciplinar contra os juízes introduzidas na nova lei podem ser usadas para o controlo político do conteúdo das decisões judiciais”. Esse é um risco que a UE não pode tolerar, explicou Jourová, “porque os tribunais polacos aplicam a lei europeia, e os juízes dos restantes países têm de poder confiar que os juízes polacos agem de forma independente. É nesta confiança mútua que assenta o nosso mercado único e a cooperação na área da justiça, liberdade e segurança”, frisou.
Segundo a notificação enviada para Varsóvia, a Comissão considera que a nova lei viola o artigo 19.º (1) do Tratado da UE, o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, o Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados e é “incompatível com os requisitos de independência judicial estabelecidos pelo Tribunal de Justiça Europeu”.
Os três anteriores processos de infracção abertos pela Comissão (em Julho de 2017, Julho de 2018 e Abril de 2019) por causa da reforma do funcionamento do sistema judicial da Polónia correram até ao Tribunal de Justiça Europeu, que em todos os casos confirmou na totalidade a posição da Comissão. No passado dia 8 de Abril, o Tribunal de Justiça decretou a suspensão imediata das provisões relativas à nova câmara disciplinar do Supremo Tribunal polaco.
Jourová preocupada com presidenciais
Na conferência de imprensa em que anunciou o processo de infracção contra a Polónia, a vice-presidente para os Valores e Transparência exprimiu mais uma vez a sua “preocupação” com a próxima jornada eleitoral de 10 de Maio para a escolha do Presidente da República, que o Governo pretende levar a cabo por via postal — um processo que nunca foi testado antes e que, de acordo com 600 juízes que enviaram um alerta à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, “não garante a regra básica do sufrágio secreto universal”.
“Do ponto de vista legal, devem ser os partidos e as autoridades polacas a determinar a melhor maneira de garantir que as eleições são justas e transparentes. Isso é o que nós esperamos que aconteça de cada vez que há uma eleição num Estado membro da UE”, afirmou Vera Jourová. A vice-presidente da Comissão foi um pouco mais longe e disse que, se fosse cidadã polaca, estaria hoje a questionar-se sobre as condições em que as eleições vão decorrer. “Seguramente teria muitas dúvidas”, disse, apontando para o facto de a pandemia de coronavírus ter impedido que a campanha eleitoral se tivesse desenrolado normalmente.
Quem não tem dúvidas é o antigo primeiro-ministro, antigo presidente do Conselho Europeu e actual líder do Partido Popular Europeu, Donald Tusk, que numa mensagem em vídeo aos seus concidadãos polacos apelou ao boicote à votação que descreveu como um “risco para a saúde pública”. “A situação preparada pelo Governo para 10 de Maio não tem nada em comum com uma eleição”, acusou Tusk, para quem o processo é “inconstitucional”.