Escritor holandês Cees Nooteboom distinguido com o Prémio Formentor de Las Letras

Júri deveria ter-se reunido em Lisboa, na Fundação José Saramago. Acabou por fazê-lo por via digital, e decidiu premiar um autor que “ultrapassou, com incessante criatividade, o limite proposto pelos géneros literários”.

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Cees Nooteboom em 2000, numa das suas frequentes visitas a Portugal PEDRO CUNHA/ARQUIVO

O escritor holandês Cees Nooteboom, de 86 anos, autor de Rituais e de A História Seguinte, que localizou em Lisboa, foi distinguido com o Prémio Formentor de las Letras, anunciou esta quarta-feira a Fundação José Saramago.

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O escritor holandês Cees Nooteboom, de 86 anos, autor de Rituais e de A História Seguinte, que localizou em Lisboa, foi distinguido com o Prémio Formentor de las Letras, anunciou esta quarta-feira a Fundação José Saramago.

O júri, que se reuniu “virtualmente”, realçou em acta que o autor “ultrapassou, com incessante criatividade, o limite proposto pelos géneros literários”. “Como poeta, romancista, ensaísta e crítico de arte, Cees Nooteboom (...) fez do nomadismo uma atitude filosófica, estética e espiritual, que transcende as fronteiras e revela a natureza expansiva dos horizontes humanos”, acrescenta o júri, composto pelos escritores e ensaístas Alberto Manguel e Judith Thurman, o historiador José Enrique Ruiz Doménec, o professor de literatura Alexis Grohmann, e que teve no escritor e editor Basilio Baltasar o seu presidente.

Cees Nooteboom é o pseudónimo literário de Cornelis Johannes Jacobus Maria Nooteboom, autor de livros de poesia e romances, como A História Seguinte (1991), que revelou o escritor no mercado livreiro português, Máscara de Neve (1995), “brevíssimo e irresistível romance” sobre amores impossíveis, Rituais (2000), uma abordagem dos “dilemas vitais” da modernidade, e O (des)Caminho Para Santiago (2003), feito de “desvios” pela história, pela literatura e pela política.

Nascido em Haia, em 1933, Nooteboom iniciou carreira na década de 1950, como jornalista, escrevendo sobre viagens. Depressa, porém, o seu trabalho se estendeu ao ensaio, à ficção e à poesia, numa obra que se estende por mais de meia centena de títulos e mais de cinco décadas.

Hotel Nómada, divagação sobre a viagem em si mesma, Uma Canção do Ser e da Aparência, reflexão sobre a criação literária, e O Paraíso Está Aqui ao Lado, o seu romance de estreia, são alguns dos mais conhecidos livros do escritor, que também assinou, com seriedade e humor, obras como As Montanhas da Holanda e Mokusei.

O Desaparecimento do Muro e Como Sermos Europeus estão entre os seus ensaios de abordagem a temas de actualidade, assim como Última Thule, viagem a Spitsbergen, com fotografias da sua companheira, Simone Sassen, que abre caminho à antiga ilha mineira no extremo ocidental da ex-União Soviética.

Nooteboom escreveu igualmente sobre museus, pintura e os seus protagonistas, como Diego Velázquez e Francisco de Zurbarán, sobre os quais publicou monografias. Ao pintor flamengo Hieronymus Bosch dedicou a obra Uma Negra Premonição (A Dark Premonition, na edição inglesa), na qual aborda As Tentações de Santo Antão, tríptico do pintor dos séculos XV-XVI que pertence à colecção do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, assim como O Jardim das Delícias, da colecção do Museu do Prado, em Madrid.

Presença regular em Lisboa nos anos de 1980 e 1990, Cees Nooteboom fez da cidade palco do seu romance A História Seguinte, sublinhando a sua identidade urbana: “Toda esta cidade é despedida. No extremo da Europa, a última margem do primeiro mundo, o ponto onde o continente erodido se afunda lentamente no mar (...). Esta cidade não é deste tempo, aqui o passado guardou-se para o futuro. A banalidade ainda não despontou aqui”, escreveu Nooteboom sobre a capital portuguesa na viragem para a década de 90.

Distinguido com o Prémio Europeu de Literatura, exactamente por A História Seguinte, em 1993, recebeu, ao longo da carreira, distinções como o Prémio Pegasus, o Prémio Europeu de Poesia, o Prémio Nacional das Letras neerlandesas, a Medalha de Ouro do Círculo de Belas Artes de Madrid e o Prémio Chatwin, a mais importante distinção para a literatura de viagens. França concedeu-lhe o grau de cavaleiro da Legião de Honra. E em Berlim recebeu o doutoramento Honoris Causa da Universidade Livre.

Cees Nooteboom foi diversas vezes mencionado como um dos mais prováveis vencedores do Nobel de Literatura.

O Premio Formentor de Las Letras tem origem no galardão internacional de literatura instituído por editores europeus como os da Casa Barral, em Espanha, da Gallimard, em França, da Einaudi, em Itália, e da alemã Rowohlt, na sequência de um encontro na cidade de Formentor, na Ilha de Maiorca, no início da década de 1960. O prémio foi então entregue entre 1961 e 1967. Retomado em 2011, o Formentor de Las Letras apresenta-se como “um reconhecimento da qualidade e integridade dos autores, cuja obra consolida o prestígio e a influência da grande literatura”.

Este ano, o júri previra reunir-se em Lisboa, na sede da Fundação José Saramago. Mas o confinamento imposto pelo combate à pandemia de covid-19 fez com que a reunião dos elementos do júri se verificasse por via digital, ligando Maiorca, Nova Iorque, Barcelona e Edimburgo.

Jorge Luis Borges, Samuel Beckett, Saul Bellow, Jorge Semprúm, Witold Gombrowicz foram os escritores galardoados na fase inicial do prémio. Carlos Fuentes, Juan Goytisolo, Javier Marías, Enrique Vila-Matas, Roberto Calasso, Alberto Manguel, Ricardo Piglia, Mircea Cartarescu e Annie Ernaux foram os distinguidos na sequência do regresso do Prémio Formentor de las Letras.